23/01/2015

O ESTRATAGEMA DA ARANHA

A aranha é um inseto curioso.
Olhando bem, até parece uma edificação:
Tem pernas que parecem pilares.
Olhos que parecem janelas.
Certa vez, vi um edifício pós-moderno que parecia uma aranha.
Mas até então jamais havia visto uma aranha que parecia um edifício.
Mas hoje, sentado aqui nesta praça, achei uma dessas,
Pequenina, pendurada em um fio reluzente.
Cautelosa, foi-se aproximando de mim.
Temi, mas logo percebi que não era eu quem ela queria.
Sou grande demais. Certamente ela teria uma indigestão.
Mas outro pequeno artrópode, que pululava em minha camisa, era o alimento perfeito!
Num movimento rápido e mortal, a presa estava subjugada.
Envolta em movimentos frenéticos e harmoniosos, a aranha envolveu o pobre inseto,
Numa teia intransponível para qualquer um do seu tamanho!
Encantado pelos movimentos da natureza esqueci que a aranha parecia um edifício.
E retomando meu raciocínio, percebi outra relação.
A luta entre dois instintos: o da conservação da vida, contra o desejo de alimentar-se da mesma.
Na luta entre presa e aranha, percebi que a aranha virava o dorso pra baixo.
E com isto, suas pernas já não pareciam pilares, e sim edifícios.
Seus olhos já não pareciam janelas e sim faróis de automóveis.
E os sulcos de seu corpo bulboso, ruas e becos.
Sim, na luta por alimento e sobrevivência, a aranha se tornou CIDADE.

Junio Kostas 

SAUDOSISMO

Fonte: correiodalapa.blogspot.com
Em uma noite chuvosa caminhei horas a fio
A fim de experimentar o desejo de possuir a cidade, num frenesi mental inimaginável!
Mas tudo que encontrei fora água, muita água; frio e...
... Um casarão antigo.
Abandonado por tudo que possa existir de humano,
Só a cidade o acolheu entre os seus:
Palácio de elementais, salamandras, ratos e morcegos.
Fauna e flora do desprezo.
Onde homens e mulheres gozaram e sofreram,
Só um rei Lich¹ reina agora soberano!
Sem temer os que por mim só sentem desprezo,
Trespassei seus portais e penetrei profundamente a virgindade do lugar:
Aposentos acolhedores, mas acanhados.

Espaços virginais, elementais, fantasmais.
Percorri por horas arrombando lacres ectoplasmáticos até quedar-me esgotado ao chão.
Ali sonhei com uma donzela em ato de amor.
Sussurrando aos meus ouvidos adormecidos palavras de desejo.
Desejos não satisfeitos em moradas viventes,
Agora realizados em moradas mortas e abandonadas.
Acordei-me ante o gozo e a tristeza dormente.
Tentei reter a imagem da enamorada donzela,
Mas só colhi a terrível e angustiante realidade da úmida sela.
Num único momento, vitalidade e certeza se tornaram temor e indignação.
O paradisíaco mundo dos elementais e reis liches agora era um pobre casario arruinado.
Quem? Quem pôde abandonar esse lugar?
Deixar intrusos absorver desejos jamais realizados!
Permitir que a memória fosse resumida a nada!
Pro azar de elementais, salamandras, ratas, morcegos e reis liches, tornei-me saudosista!
Agarro-me às pedras do passado!
Minha sensibilidade resumiu-se a um punhado de sonhos e desejos alheios,
Onde o orgasmo do nada é mais importante que própria existência do todo!
Sou saudosista!
Reformador do passado!
Meliante do novo!
Amante do desejo macerado!

Junio Kostas


¹ - Um lich, em obras de ficção, é um tipo de morto-vivo que, com uma magia, adquiriu a imortalidade. Geralmente foram, em vida, reis ou magos poderosos. Suas características são meio ósseas e também seus poderes são frios como o gelo.

02/11/2010

A DIMENSÃO MÍSTICA DA ARQUITETURA - Como mestres-construtores da antiguidade concebiam a profissão como prática iniciática religiosa.


"(...) A visão transformou-se, mas a impressão permanece. E se o costume modificou o caráter marcante e enternecedor do primeiro contato, jamais pudemos evitar uma espécie de arrebatamento diante desses belos livros de imagens erguidos em nossos adros e que estendem até o céu suas páginas de pedras esculpidas."
Fulcanelli. Em O mistério das catedrais.
O Homem Vitruviano, por Leonardo Da Vinci.
Desde que a grande separação das artes tornou-se uma realidade (quando filosofia, ciência e religião deixaram de compor o corpus filosoficum da antiguidade), o arquiteto se dedica a sua profissão de acordo com o materialismo científico iluminista. Embora muitos arquitetos do Renascimento à modernidade tivessem fortes tendências místicas e religiosas, como Bruneleschi, Da Vinci, Gaudí e Louis Kahn, por exemplo, eles aprenderam a conceber suas obras unicamente somente sob o ponto de vista da técnica. A filosofia e a religiosidade são coisas com importância totalmente secundárias. Mas, se voltarmos um pouco na história, veremos que os arquitetos da antiguidade desde sua formação aprendiam a conceber as obras sob o signo das relações entre Homem e Divindade, ou melhor, sob uma concepção mística de evolução do gênero humano (precisamos levar em conta que suas influências perduraram ocultamente até os finais do neo-classissismo). Isso pode parecer místico, metafórico ou poético, mas a realidade é que houve um momento em que a arquitetura foi acima de tudo uma profissão iniciática: os mestres-construtores não eram mestres pelo simples fato de mostrarem "experiência" com as obras, mas por possuírem uma relação de discipulado (ensino e aprendizagem) com os futuros arquitetos-construtores em formação. A arquitetura antiga e medieval foi totalmente influenciada por tais relações, tendo nas corporações de construtores medievais sua mais difundida instituição. Os mestres-arquitetos praticavam a profissão de duas maneiras:
1 - Como profissionais liberais contratados para edificar;
2 - Como mestres espirituais incumbidos da responsabilidade de formar seus discipulos na Arte da Construção (deste conceito originou-se a Maçonaria).
Essa "Arte da Construção" deve ser compreendida como a arte de edificar propriamente dita, e também, a arte que representa a capacidade humana de construir uma nova mentalidade, uma nova concepção de vida baseada em um conceito de evolução do espírito humano em direção à Divindade. Esse conceito de "construção" representaria os processos utilizados num tipo especial de iniciação espiritual.
No que segue tentarei esclarecer alguns aspectos da filosofia da iniciação em sua manifestação na arquitetura.
Pitágoras
A influência do pensamento pitagórico norteou a produção arquitetônica por muitos séculos, da antiguidade grega ao neoclassissismo norte-americano. Manifestou-se claramente no modernismo, e é aplicado na contemporaneidade. Esta influência se tornou uma relação limitada à forma, perdendo com isso seu caráter iniciático que outrora existiu nas guildas de arquitetos. Os números e as formas geométricas são os elementos formadores da universalidade das coisas, pois é através deles que o Criador inicia seu plano de concepção do mundo. Tal crença fez com que a arte da construção, isto é, a arquitetura, fosse estudada e ensinada como uma prática que, de baixo pra cima, imitava a criação divina.
Geometria Sagrada: o Vesica Piscis e a Seção Áurea.
A ciência mais importante do corpus filosoficum dos arquitetos da antiguidade foi a Geometria. Porém, em seu aspecto iniciático ela se manifestou como um sistema gráfico que procurava representar a criação do mundo e suas leis na matéria, principalmente no que dis respeito às leis que governam o estado de formação das coisas (morphosis). Essa característica da geometria se denomina Geometria Sagrada. Os elementos mais importantes da geometria sagrada são o Vesica Piscis e a Seção Áurea (ou razão áurea). O Vesica Piscis é a forma geométrica gerada pela intersecção de dois círculos de mesmo raio, em que o centro de cada circunferência está sobre a outra. Parece ter influenciado a concepção gráfica do mundo antigo, e também o desenvolvimento dos arcos da arquitetura gótica. A Seção Áurea é na verdade uma relação numérica, e não uma forma geométrica, mas, por ser a base de todos os sistemas de proporções das artes antigas e até mesmo modernas, suas aplicações se referem sempre a um esquema geométrico, principalmente no que diz respeito a um sistema de proporção. Os construtores medievais utilizavam freqüentemente o Vesica Piscis e a Seção Áurea nos seus projetos. E por toda arquitetura religiosa da idade média é possível determinar suas aplicações. Durante o Renascimento foram largamente utilizados por artistas e arquitetos como Leonardo Da Vinci, Bruneleschi e Bramante.

Vitruvius
Marcus Vitruvius Pollio foi o grande arquiteto romano do período pré-medieval (isto é, o período que finda cronologicamente a antiguidade). Viveu no século I d.C e seu livro De Architectura foi largamente utilizado como fonte de pesquisa pelos arquitetos e teóricos do Renascimento. O período medieval parece não ter utilizado Vitruvius em seu corpo teórico, pelo menos não durante o desenvolvimento da arquitetura gótica, de arcos ogivais, que não existem nas concepções vitruvianas.
Vitruvius parece ter sido um arquiteto cuja excelência marcou profundamente a prática de arquitetura na cultura romana. Porém parece não ter tido nenhuma relação com as concepções "iniciáticas" da prática de arquitetura tal como fora predominante no período medieval, marcada pela influência dos mestres-construtores, suas corporações e discípulos. Mas Vitruvius certamente foi utilizado pelos mestres-construtores do período românico, cuja característica estrutural e estética ainda é fortemente baseada na basílica romana com seus arcos de volta perfeita (esses sim mencionados por Vitruvius).
As corporações medievais de Mestres-Construtores.
A cultura medieval baseada nas corporações e guildas de artes e ofícios foi fundamental para o desenvolvimento de vários tipos de concepções estéticas e inovações tecnológicas da Idade Média. Mas o seu caráter iniciático se desenvolve e se consolida ao mesmo tempo em que crescem as pressões da Igreja de Roma sobre as diversas seitas cristãs que se tornavam cada vez mais freqüentes por toda cristandade européia. Na verdade essa cultura de refugiar-se em guildas de artes e ofícios não é uma invenção cristã-européia. Esse modelo é muito mais antigo do que parece, e no Oriente Médio, particularmente em meio às corporações sufistas de conhecimento e sabedoria, a exigência que submetia diversos discípulos a esse modelo de auto proteção era uma forma que os grupos místicos encontraram para evitar a perseguição das igrejas e seus sacerdotes.
Na cristandade européia medieval, muitos mestres-construtores eram maçons, como Robert de Luzarches, Jean Le Loup, Hugues Libergier e Villard de Honnecourt (este de elevado conhecimento e erudição entre os seus pares da época, autor do "Livro da Corporação dos Mestres-Pedreiros" em cerca de 1235).
A presença desses mestres e seu elevado conhecimento ficou na obscuridade por todo o período da história da arte compreendida entre o renascimento e o século 19, onde o interesse de arquitetos, artistas e historiadores se voltou cada vez mais para o período medieval, especialmente na manifestação da arquitetura gótica.
O fim das corporações de construtores medievais coincidiu com o surgimento da maçonaria especulativa, que já não era formada por membros arquitetos e artistas construtores (maçonaria operante), mas por médicos, juristas e outros profissionais liberais. A maçonaria especulativa manteve diversos símbolos e instrumentos da maçonaria operante medieval, porém apenas como elemento litúrgico do culto iniciático (rito) e não mais como prática profissional. Na verdade a manutenção dos símbolos dos mestres-construtores medievais pela maçonaria especulativa é um fato que pode ser explicado pela existência desse sentido místico e iniciático paralelo às práticas profissionais dos arquitetos da antiguidade. As relações entre mestres-construtores e seus discípulos foram responsáveis não apenas pela ciência responsável pelo surgimento dos arcos ogivais e abóbadas nervuradas da arquitetura gótica, mas também por uma riquíssima cultura simbólica que percorreria toda a história da humanidade, manifestando-se, secretamente ou não, em sociedades religiosas como a maçonaria e a rosacruz europeias.

Sugestão de leitura:
Geometria Sagrada, Nigel Pennick. Editora Pensamento.
O Mistério das Catedrais, Fulcanelli. Editora Madras.
Pitágoras - Ciência e magia na antiga Grécia, Carlos Basilio Conte. Editora Madras.
A Conspiração Ocultista, Michael Howard. Editora Campus.
O Poder dos Limites - Harmonias e proporções na natureza, arte e arquitetura, Gyorgy Doczi. Editora Mercuryo.
Arquitetura Gótica e Escolástica, Erwin Panofsky. Editora Martins Fontes.

21/10/2010

ESTRELISMO E ARQUITETURA - Caso 1: Le Corbusier






CHEGADA 2 *
Ainda em 1935 - doze anos de gestação da Cidade Radiosa, sapatinho de cristal desdenhado pelo consenso mundial -, Le Corbusier embarca para Nova York com a amargura acumulada de uma mãe solteira, ameaçando, depois de fracassadas todas as tentativas de conseguir uma adoção, deixar o enjeitado fantasmagórico à porta do pai natural e abrir um processo de paternidade.
Nenhum repórter o aguarda.
" 'Jacobs', perguntou Le Corbusier [ao intérprete que lhe designou o MOMA, patrocinador de sua viajem, na campanha para impor o verdadeiro modernismo aos EUA], 'onde estão os fotógrafos?' Jacobs [...] descobriu que os fotógrafos da imprensa a bordo estavam ocupados fotografando outras celebridades. Ele deu uma nota de cinco dólares a um jornalista e lhe implorou que tirasse uma foto de Le Corbusier. 'Já gastei todo meu filme', disse o fotógrafo, devolvendo o dinheiro. Mas, sendo um sujeito atencioso, ele clicou sua máquina vazia diante de Le Corbusier, que pareceu se acalmar". A atividade CP [1] registra fatos que não existem. Le Corbusier existe, mas não consegue ser registrado. Como se sofresse de uma maldição, Le Corbusier é tão invisível em Nova York quanto o pão de Dalí.
" 'Jacobs', perguntou ele várias vezes enquanto folheava os jornais... 'onde está a foto que tiraram de mim no navio?' "
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Notas:
* Retirado de Rem Koolhaas, Nova York Delirante, pág. 297.
[1] Atividade CP: Atividade Crítico Paranóica - Conceito criado por Salvador Dalí, como única forma possível de abordar a arte surrealista, e utlizado por Koolhaas para designar os processos de apreenção da cidade de Nova York por Dalí e também por Le Corbusier.

16/09/2010

POR QUE A ARQUITETURA É A MAIS NOBRE E JUSTA DAS ARTES?

Simples...
Por que uma obra de arquitetura que entra para a história da arte significa que o seu autor recebeu uma boa gratificação para projetá-la ou executá-la. E desde a antiguidade, os arquitetos que realizaram grandes obras sempre receberam muito bem por elas. Ou você acha que quem projetou a pirâmide de Gizé trabalhou de graça?
Em relação a isso, apresento-lhes uma das maiores injustiças da história da arte:

 
  
Vincent Van Gogh teve apenas uma de suas obras comercializada em vida; sim eu disse APENAS UMA. Trata-se de O Vinhedo Vermelho, e ele o vendeu apenas por 400 francos. Van Gogh poderia ter tido uma vida saudável e confortável se tivesse vendido umas quatro ou cinco de suas telas por apenas 2% do valor atual que elas valem no mercado da arte. Realmente, enquanto Van Gogh morreu na penúria num hospital psiquiátrico francês, pobre e humilde, alguns indivíduos ficaram milionários vendendo suas telas na atualidade.
As pessoas podem não sair pelas ruas "cantarolando um prédio" (ver postagem: http://blogeupalinos.blogspot.com/2009/08/arte-de-fazer-cantar-o-ponto-de-apoio.html), mas um arquiteto que realiza uma obra que pode entrar para a história de fato é uma pessoa bem sucedida. Nada mais justo.

15/09/2010

FALLINGWATER - A famosa casa de Frank Lloyd Wright visualizada num videogame.

Retomando as postagens no Eupalinos, gostaria de arrematar o post abaixo sobre a tecnologia dos "engines" de vídeogames utilizados como softwares de modelagem e visualização de projetos e obras de arquitetura.
Curta o vídeo de FALLINGWATER [1], usando o engine do game HALF LIFE [2], e imagine-se demonstrando este projeto com todos os percursos de câmeras em TEMPO REAL. Nunca "at play" fora um ato tão útil a arquitetura.
E ainda tem gente que acha que jogos eletrônicos são coisas de jovens e adolescentes com sardas no rosto.




Créditos: digitalurban.com
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Você também pode comparar o modelo virtual no game Half Life com a obra real no vídeo abaixo:
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Créditos: microcinema.com
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Notas:
1 - Fallingwater é o titulo de uma das obras mais importantes da arquitetura moderna e do seu autor, o arquiteto americano Frank Lloyd Wright. Situada na zora rural do estado da Pennsilvanya, foi projetada em construída em 1935. Há um mito de que o cliente, Edgar Kaufmann, teria encomendado este projeto a Wright e este o deixou de lado por muito tempo. Quando Kaufmann ligou dizendo que estaria passando para ver o anteprojeto da sua casa, Wright lhe pediu para que estivesse no seu estúdio em mais ou menos três horas. Este foi o tempo que Frank teria elaborado o partido geral de Fallingwater. Mito ou não, Frank foi certamente um dos maiores gênios da história da arquitetura.
2 - Half Life é o título da franquia da Valve/Source que se tornou um sucesso mundial. O game é um "shooter" (tiro em primeira pessoa) e se caracteriza por um enredo apocalíptico repleto de ação e suspense. O engine utilizado, o Source Engine, de propriedade comercial da Valve, foi utilizado em muitos outros títulos de sucesso, como o Counter Strike e o Left 4 Dead.

23/12/2009

GAME ENGINES - O FUTURO DO CAD?

Imagem do game Need For Speed - Underground

Desde que o CAD¹ substituiu o desenho à prancheta venho observando seu progresso e desempenho no mundo do desenho arquitetônico. O que para alguns foi um processo natural dentro do campo da informática aplicada ao projeto, para outros foi uma revolução, que transformou o desenho de arquitetura para sempre.
Seja como uma mera ferramenta ou mesmo como um "sócio", a verdade é que hoje em dia o CAD é um elemento indispensável em qualquer estúdio de arquitetura. No início, ainda estudante, possuia um certo "impedimento interior" de mergulhar nesse recurso. Acreditava que o desenho à prancheta dava um aspecto mais "personalizado" ao desenho. Havia alí o teu traço, a tua habilidade com o equipamento, enfim, embora houvesse a padronização do desenho arquitetônico (justificável por uma questão de norma) ele não parecia tão industrializado quanto o CAD. Puro romantismo...
Com o tempo fui mergulhando no mundo virtual cada vez mais profundamente. E a cada mergulho, velhos preconceitos e medos eram postos de lado. O CAD se mostrou para mim como uma ferramenta de desenho poderosa. Além disso, abriu-me o mundo das idéias para algo mais fascinante ainda: o universo da modelagem eletrônica tridimensional.
Não é tão fácil ser um modelador 3d. Há que se escolher bem entre os diversos programas que estão no mercado. Há programas extremamente "burocráticos", outros mais intuitivos e de fácil manuseio. Porém, o mais importante mesmo é você saber em que direção está indo no mundo virtual (compreenda-se o "universo líquido" da computação avançada).
Eu sempre digo que iniciei tarde no mundo da informática. Mas quando comprei o meu primeiro microcomputador não foi tão difícil encontrar nos videogames um primeiro elo de mergulho na virtualidade. E isso para mim não deixou de ser uma surpresa. Desde criança evitava videogames. Achava mesmo coisa de "nerds", de garotos estúpidos a manusear botões e alavancas quase frenéticamente. Mas quando instalei o meu primeiro game (Clive Barker's Undying, 2001. EA Games) imediatamente compreendi o que fascina tanto a mente humana em busca da atividade lúdica no cumputador: a simulação. Eis a palavra chave, algo pelo qual devemos ter toda atenção, pois a simulação sempre foi algo muito caro à arquitetura. Por exemplo, uma maquete é um tipo de simulação, em escala muito pequena, de uma obra que se projeta pra a execução. Mas, algo fica faltando na maquete. Esse "algo" pode ser ampliado a diversas coisas. Entre elas posso destacar a mais importante: o movimento. Seja numa maquete física, ou numa maquete eletrônica estática (aquela que renderizamos e olhe lá), a ausência da simulação do movimento é desanimador. No fundo queremos observar a ação do tempo nessas estruturas, passear por entre seus compartimentos, tocar utensílios, abrir portas, acender e desligar luzes, enfim, hoje a maioria de nós deseja ter a experiência completa com o elemento simulado!
Tá certo... Você pode vender uma obra com uma maquete de papelão e plástico. Pode fazer uma apresentação entusiasmada a um público leigo com um punhado de imagens renderizadas sem movimento. Porém, nada disso chega próximo do efeito e da impressão de o observador poder "entrar" no ambiente em tempo real. Poder manusear a câmera para o percurso que desejar; poder subir escadas, elevadores, entrar num carro e "testar" um percurso urbano, um jogo de viadutos, o prazer de cruzar uma ponte sobre um rio... É amigos, tudo isso é possível hoje em dia. Não digo que seja com o Autocad ou com o VectorWorks, com o 3D Studio Max ou com o Cinema 4D, por exemplo. Todas essas ferramentas nada mais fazem que desenhar ou modelar. Existem softwares onde podemos deslocar um complexo urbano inteiro e simular em tempo real, ou seja, tendo a experiência imediata de movimentos, luzes, sombras, sons e colisões que esses softwares CAD não podem nos dar. Esses softwares as empresas desenvolvedoras de jogos eletrônicos chamam de "Engines", na verdade, Game Engines.
Precisamos compreender que essa palavra "engine" não é restrita aos desenvolvedores de videogames. Engines são utilizados em engenharia mecânica e eletrônica por exemplo. A melhor forma de tentar traduzir esse termo é por "motor". Um engine é o elemento que possibilita algo funcionar, um motor. No caso dos vídeogames, o engine é o motor do jogo, o software que faz a leitura de toda a engenharia (scripts de progamação) responsável pelo funcionamento dos ambientes, dos personagens, dos sons, da inteligencia artificial, enfim, do espaço-tempo virtual do game.


Imagem do game S.T.A.L.K.E.R. - Shadows of Chernobyl

Desde o primeiro Doom (ID Games. 1993. Na verdade, um dos títulos seminais do modelo tradicional de FPS²) que os engines de vídeogames vem evoluindo rapidamente. Junto com eles a linguagem gráfica também se tornou complexa e realista, onde "shaders" e texturas são tratados com alta definição. Tudo isso inevitavelmente definiria os rumos futuros da representação realística dos ambientes urbanos e arquitetônicos dos vídeogames. O abismo existente entre as representações de um game de cinco anos atrás e de um título atual como Mirror's Edge (
Desenvolvido e publicado pela EA Games, 2008) é gigantesco. Isso nos mostra claramente a velocidade de evolução dessas tecnologias.
Observando atentamente a qualidade e possibilidades desses recursos, seria uma questão de tempo que suas extenções fossem levadas aos ambientes de CAD, como Autocad e VectorWorks, por exemplo, viabiliazando a construção de arquiteturas e visualizando-as em real time nos engines. Já fiz algumas experiências dessas e pude comprovar sua eficácia: manipulação de câmeras livres, texturização imediata, aplicação de luzes e sombras estáticas e dinâmicas, total manipulação do ambiente virtual. Porém, chegar a isso não é fácil, principalmente por que esses engines não trabalham (ainda) com as medidas usuais em CAD's (metro, centímetro ou polegadas). Você precisa exportar o que constrói em CAD para o engine e isso não é tão simples. Alguns engines como o Unreal, já trabalham com exportação direto do Autocad e do 3D Studio Max. Outros você tem que desenvolver toda a modelagem na própria interface do programa, tendo a habilidade de trabalhar corretamente as proporções, que serão as únicas referências de medidas que você utilizará. Mesmo assim, comprovando os resultados da genialidade e esforço de alguns grupos que já fazem experiências avançadas nesse campo na Europa e América, o caminho que leva à utilização e à consolidação da utilização pelos escritórios de arquitetura é só uma questão de tempo. E pouco tempo. Basta que alguma empresa de software CAD tenha a iniciativa.
A respeito dos grupos que conheço que já realizam experiências envolvendo urbanismo e arquitetura com game engines, posso destacar o UnrealStockholm (veja-os em : http://www.unrealstockholm.org/) e o excelente site do Dr. Andrew Hudson-Smith (do Centre for Advanced Spatial Analysis, da University College Londres), chamado Digital Urban (veja-o em: http://www.digitalurban.blogspot.com/ ) que para mim é o melhor conteúdo envolvendo espaços virtuais, arquitetura e urbanismo, vídeogames e games engines que existe.
Por enquanto, as iniciativas para nós arquitetos ainda são limitadas aos softwares CAD, porém, com os avanços da computação avançada e de sua presença cada vez mais próxima do usuário comum, não tardará a estarmos trabalhando em um grande projeto e ao mesmo tempo "jogando" com ele num Game Engine.


Need for Speed - uma cena que mostra uma estrutura que lembra Santiago Calatrava.

Notas:
¹ - CAD - Sigla para Computer Aided Design
² - FPS - sigla para First Person Shooter, traduzido livremente como "Tiro em Primeira Pessoa".