24/09/2009

ARQUITETO - ARTISTA - DESIGNER

Antoni Gaudí

Percebo que há três tipos de artistas. Aquele que estabelece seu próprio estilo acima de tudo; aquele que trabalha em função do mercado, ou melhor, do cliente, e aquele que valoriza tanto seu próprio estilo, quanto abre mão do gosto pessoal para satisfazer o do cliente. Na nossa profissão estes três tipos de “artistas” atuam claramente, assim como no campo do design e no campo das artes plástico-visuais. Todavia, deve ficar claro que a questão da formação é de vital importância para que um artista siga seu caminho e estabeleça sua forma de atuar.
Não é raro ver um artista plástico e sua obra pessoal exposta numa galeria. Eles, artista e obra, não estão ali somente para agradar aos visitantes, mas, acima de tudo para apresentar o resultado de uma perspectiva pessoal sobre a criação. Pintura, escultura, gravura, vídeo, performances, etc., todos resultados de processos íntimos de criação plástica envolvendo o autor e suas técnicas. São raros os artistas que compõem para o publico, ou melhor dizendo, para um “segmento do mercado”. A arte plástica pode ser considerada como uma poética que escapa da intimidade para apresentar-se ao domínio público.
Por outro lado, no design, enquanto área de atuação profissional diretamente relacionada com o comercio, a questão da individualidade parece não estar totalmente clara, pelo menos não como nas artes plásticas. Estabelecendo o design como restrito ao produto e a ilustração, sem desvanecer pela generalidade e diversidade que existe na palavra, é fácil notarmos que há uma forte tendência de considerar o gosto do mercado, suas necessidades e tendências, na hora de se estabelecer o que vai ser produzido (os cursos de design industrial e/ou o orientado a produto, todos se voltam para o mercado e suas necessidades). O design está completamente relacionado com o que as pessoas desejam consumir, com o tipo de valor e função que elas desejam que os objetos e imagens tenham ao seu redor, seja na vida urbana, coletiva, ou na individualidade do bem-estar pessoal. Este aspecto é raro nas poéticas das artes plásticas e visuais. Há exceções, claro, em momentos em que o design parece tão arte quanto uma escultura de Picasso, mas não me deterei nessa questão por hora.
Como profissão que agrega a infinidade da manifestação criativa humana, a arquitetura resulta tanto da postura individualista do “criador-artista”, quanto do designer voltado às tendências do mercado. Há arquitetos totalmente individualistas, donos do seu traço e estilo, como Frank Gehry e Niemeyer, por exemplo, até arquitetos mais “mercadológicos” que sobrevivem realizando aquilo que seus clientes desejam, seja funcional ou esteticamente.
A arquitetura, nesse sentido, parece alimentar um eterno antagonismo: ao mesmo tempo em que desejamos a individualidade criativa, precisamos fazer aquilo que as pessoas desejam. No fundo, o abismo que separa a criatividade livre da necessidade de se agradar o cliente é gigantesco. Não é fácil estabelecer uma ponte entre ambos. Geralmente necessita maturidade e tempo de atuação. Além de busca, busca constante por realizar aquilo que se quer.

A criatividade e os clientes.

Certa vez conversando com um cliente, disse a ele que as pessoas podem procurar um arquiteto por vários motivos, mas dois deles exercem influencia marcante nas relações entre profissional e cliente. O primeiro é o fato de um arquiteto mais ou menos desconhecido ser indicado, apresentado ou oferecido por terceiros, sejam parentes, amigos e outros clientes. O segundo, e mais importante para mim, é o cliente procurar um arquiteto por gostar do seu estilo, daquilo que ele projetou. O primeiro motivo envolve a necessidade, o segundo além da necessidade, envolve um fator cultural, de elevada importância para o florescimento da arquitetura e da presença dos arquitetos no que Rafael Moneo chama de “Olimpo dos manuais” . Na verdade, a história da arquitetura é construída a partir desse fator cultural e desse interesse pelo estilo dos arquitetos. Por exemplo, existiam centenas de arquitetos atuando na Inglaterra do século 17, mas fora apenas um Inigo Jones ou um Christopher Wren (este último com seus belíssimos campanários londrinos) que galgaram a história.
Hoje em dia vemos mistos de arquiteto-artista-plástico-designer nas figuras de Frank Gehry e Van Lieshout, por exemplo. Gehry, parece querer não apenas fazer edifícios como esculturas cubistas, mas também esculturas cubistas que parecem luminárias, ou vice-versa, e Van Lieshout, móveis que parecem algo in-usável. O design de Frank Gehry é de Frank Gehry e não do mercado. Compra quem gosta de arte. E como qualquer bom artista, há os seguidores e os críticos entusiasmados. Quando o arquiteto abre mão do que quer para fazer aquilo que as pessoas gostam, seu nome dilui-se no que é comum. O resultado em geral é a indiferença.
Os críticos que consideram o lugar desses artistas-arquitetos no limbo da história deveriam compreender que somente o chamado “traço pessoal” se mantém. Foi assim com C.R. Macintosh, está sendo assim com Herzog & De Meuron e será assim enquanto houver arquitetura.

Charles Rennie Macintosh

“Carlos, inventa, inventa. O bacana da arquitetura é inventar.”
Oswaldo Bratke a seu filho Carlos Bratke.

Tem muitos arquitetos que querem apenas aparecer. Fazem de tudo para figurarem em estampas de jornais e revistas, tirinhas de marketing de interiores etc. Muitos desses arquitetos abrem mão daquilo que gostariam de fazer para satisfazer o que seus patrocinadores querem. No fundo, realizam uma arquitetura superficial, uma arquitetura comum. No final a justificativa é sempre “precisei ganhar a vida” e nessa filosofia nada de bom e diferente, nada de inventivo surge. Estamos sempre fadados ao trivial.

Herzog & De Meuron

O sucesso do ideal de invenção não vem somente da bem aventurança nas coisas que se escolheu, como muitos iludidos acreditam, mas, antes de tudo, do fracasso. Para se chegar ao ideal é preciso experimentar e não se inventa sem experimentação. O arquiteto precisa ter a coragem de inventar e inventar não é fácil, necessita experimento e todo experimento passa pelo fracasso, quase sempre. Não há nada de vergonhoso em se tentar algo diferente, algo incomum, ninguém vai morrer por isso. Todavia, o incomum não pode ser irrealizável. Vou citar Gehry mais uma vez: O projeto do Guggenheim chegou num ponto que parecia irrealizável; suas curvas intransponíveis pelo CAD e pelo CAM. Mas, com a coragem necessária de se experimentar, algo novo foi atingido. A inclusão de um software de modelagem aeroespacial ofereceu a solução. Mesmo que parte da crítica desaprove muitos projetos de Gehry, vejo nele a coragem necessária do artista em experimentar e criar coisas completamente pessoais. Isso jamais, em minha opinião, será reprovável.

Frank Gehry (por que será que esses caras são todos velhos?)

Outro artista que sofreu a acidez da critica na sua época foi Gaudí. Admito que tenha uma admiração que beira a paranóia pela sua obra. Vampirizo cada borda das curvas de Gaudí como se fossem um suave licor. Alimento-me delas não para a imitação, mas para o aprendizado. O método de Gaudí foi totalmente experimental; principalmente em arquitetura, pois, o seu design, mesmo sendo algo muito particular e inovador, era realizado respeitando as convenções da madeira. Mas no que diz respeito à pedra, ao estuque, ao cimbramento, Gaudí foi ao extremo da invenção. Ele mesmo dizia que era preciso criar projetos que fossem realizáveis (ele tinha consciência de sua arte e do grau de dificuldade dela). Para isso, Gaudí desenvolveu seu método particular de testar as estruturas. Através de um intrincado e quase hermético sistema de cordas e pesos, ele atingia a solução para determinar a forma como colunas e vigas, paredes e outros fechamentos deveriam conter os esforços de tração e compressão. Na verdade, todos os esforços estruturais que hoje estudamos e resolvemos com softwares, Gaudí resolvia com suas cordas e pesos.
Todos no fundo somos formados para reivindicar a condição de arquiteto propriamente dito, artista visual e designer. Nossa formação e características pessoais é que vão determinar nossos rumos. Como arquiteto, gosto de ser artista plástico e designer também. Sei que estou apenas começando e que minha pouca idade só me permite encher o peito de coragem para experimentar nas oportunidades que me aparecerem. Digo “experimentar” tendo consciência dos possíveis fracassos, não obstante, saber que fracassos em arquitetura não significam derrubar um edifício em cima dos seus moradores. Pode haver um fracasso em algo que se elegeu como paradigma, porém, mais tarde se compreendeu como algo inapropriado. É preciso saber negar, não somente aos outros, mas também a si mesmo. Muitas das coisas que realizamos ontem temos que saber deixar pra trás e tentar o novo.
Como designer e arquiteto, sei que diversas vezes é preciso saber conquistar um cliente realizando aquilo que ele quer, aquilo que o mercado deseja, exige. Mas como artista, sei que tenho uma obrigação comigo mesmo para experimentar e inventar aquilo que eu quiser.

23/09/2009

A ignorância é uma benção.

Tenho compaixão pelos viajantes; daqueles que tomam um avião ou navio, um ônibus ou um carro e saem do estado rumo a uma dessas cidades evoluídas. Nova Iorque, Chicago, Londres, Estocolmo, Frankfurt, Paris, São Paulo, Buenos Aires, etc. Frustrante sair de Belém, visitar esses lugares e voltar pra cá. “Frustrante por quê? Viajar é ótimo!” Concordo, mas duvido que você que já viajou muito ou pouco, conheceu pelo menos um desses lugares, ou outros que tenha omitido, jamais tenha experimentado a realidade de estar no primeiro mundo e ter que retornar ao terceiro. Ver os dias da visita findarem como areia nas mãos durante a ventania... E a terrível sensação de “quero mais”.
Bom, procurarei ser mais claro. Para um ribeirinho, que vive em uma casa sobre o rio em São Domingos do Capim por exemplo, visitar Belém é o máximo. Ruas imensas, carros em disparada, ônibus superlotados, pessoas indo e vindo. Para o ribeirinho, pouco importa se Belém tem metrô ou não. Pouco importa se as ruas estão congestionadas, se o nosso maior “arranha-céu” ainda está em construção e tem apenas 40 andares. Para o ribeirinho, volto a dizer, pouco importa se os camelôs pervertem as calçadas, poluem a entrada da cidade, se os “ricos” fazem fila dupla tranquilamente para pegar seus pequeninos (às vezes marmanjos) na porta da escola (compreensível devido à violência, porém inadequado devido à desorganização) em ruas de tráfego intenso. Pouco importa o balé dos lixos após o expediente na Presidente Vargas. Pouco importa para ele, que deixou sua casa no meio do nada para visitar um parente agonizando num desses hospitais públicos desestruturados, que Belém tenha todos esses defeitos, toda essa pequenez. Para ele, nossa cidade é um exemplo de lugar desenvolvido. Mais ou menos consciente da sua ignorância, quem é ele para questionar o estado das coisas?
Todavia, para mim, que já visitei muitos lugares, sem falar nos que conheço pela mídia, Belém é uma cidade pequena, atrasada, que parece caminhar na contramão do tempo. Temos uma população do tamanho da de Porto Alegre (mais ou menos um milhão e meio de habitantes), mas nossa estrutura urbana é de uma cidade de 200 mil habitantes. A mais ou menos 50 anos Belém cresceu assustadoramente em número de habitantes mas nossa estrutura urbana, seus equipamentos e mobiliários, parece ter permanecida a mesma que satisfazia a colônia portuguesa que aqui vivia no século 19. Nosso maior herói ainda é um arquiteto-engenheiro que viveu nesse período. Para termos uma idéia, nos anos 1930, Nova Iorque já possuía edifícios com mais de 40 andares e uma rede de circulação ferroviária no subsolo da cidade. Eu disse anos 30 do século passado!
Por incrível que pareça, a vida comercial é um dos motores da “renovação” da nossa cidade! Por causa de um shopping, uma passarela em estilo “contemporâneo” está sendo construída no entroncamento. Por causa de outro shopping, estão construindo uma ponte sobre o canal e em função de uma loja foram retirados os camelôs da Presidente Vargas (sem revolver a questão que foi “colocada debaixo do tapete” entulhando-os nas ruas transversais). A iniciativa privada, a vida comercial, parece movimentar a seu bel-prazer, a cidade para frente ou para trás, de acordo com o que lhe é mais conveniente.
A ignorância é realmente uma benção... Se eu não tivesse conhecido nenhum desses lugares, estaria satisfeito. Belém seria do tamanho das minhas pretensões! Belém seria como o mapa do videogame que brinco com meu sobrinho: Não me interessa ir além, pois o que eu tenho me basta. Feliz é o ribeirinho, que vem resolver problemas na cidade grande e sente saudades da vida tranqüila no meio do mato! Triste sou eu, que vou até Londres e quero mais é ficar por lá!
É, talvez esteja lendo muito Koolhaas... Basta, preciso de um pouco de ignorância.