23/12/2009

GAME ENGINES - O FUTURO DO CAD?

Imagem do game Need For Speed - Underground

Desde que o CAD¹ substituiu o desenho à prancheta venho observando seu progresso e desempenho no mundo do desenho arquitetônico. O que para alguns foi um processo natural dentro do campo da informática aplicada ao projeto, para outros foi uma revolução, que transformou o desenho de arquitetura para sempre.
Seja como uma mera ferramenta ou mesmo como um "sócio", a verdade é que hoje em dia o CAD é um elemento indispensável em qualquer estúdio de arquitetura. No início, ainda estudante, possuia um certo "impedimento interior" de mergulhar nesse recurso. Acreditava que o desenho à prancheta dava um aspecto mais "personalizado" ao desenho. Havia alí o teu traço, a tua habilidade com o equipamento, enfim, embora houvesse a padronização do desenho arquitetônico (justificável por uma questão de norma) ele não parecia tão industrializado quanto o CAD. Puro romantismo...
Com o tempo fui mergulhando no mundo virtual cada vez mais profundamente. E a cada mergulho, velhos preconceitos e medos eram postos de lado. O CAD se mostrou para mim como uma ferramenta de desenho poderosa. Além disso, abriu-me o mundo das idéias para algo mais fascinante ainda: o universo da modelagem eletrônica tridimensional.
Não é tão fácil ser um modelador 3d. Há que se escolher bem entre os diversos programas que estão no mercado. Há programas extremamente "burocráticos", outros mais intuitivos e de fácil manuseio. Porém, o mais importante mesmo é você saber em que direção está indo no mundo virtual (compreenda-se o "universo líquido" da computação avançada).
Eu sempre digo que iniciei tarde no mundo da informática. Mas quando comprei o meu primeiro microcomputador não foi tão difícil encontrar nos videogames um primeiro elo de mergulho na virtualidade. E isso para mim não deixou de ser uma surpresa. Desde criança evitava videogames. Achava mesmo coisa de "nerds", de garotos estúpidos a manusear botões e alavancas quase frenéticamente. Mas quando instalei o meu primeiro game (Clive Barker's Undying, 2001. EA Games) imediatamente compreendi o que fascina tanto a mente humana em busca da atividade lúdica no cumputador: a simulação. Eis a palavra chave, algo pelo qual devemos ter toda atenção, pois a simulação sempre foi algo muito caro à arquitetura. Por exemplo, uma maquete é um tipo de simulação, em escala muito pequena, de uma obra que se projeta pra a execução. Mas, algo fica faltando na maquete. Esse "algo" pode ser ampliado a diversas coisas. Entre elas posso destacar a mais importante: o movimento. Seja numa maquete física, ou numa maquete eletrônica estática (aquela que renderizamos e olhe lá), a ausência da simulação do movimento é desanimador. No fundo queremos observar a ação do tempo nessas estruturas, passear por entre seus compartimentos, tocar utensílios, abrir portas, acender e desligar luzes, enfim, hoje a maioria de nós deseja ter a experiência completa com o elemento simulado!
Tá certo... Você pode vender uma obra com uma maquete de papelão e plástico. Pode fazer uma apresentação entusiasmada a um público leigo com um punhado de imagens renderizadas sem movimento. Porém, nada disso chega próximo do efeito e da impressão de o observador poder "entrar" no ambiente em tempo real. Poder manusear a câmera para o percurso que desejar; poder subir escadas, elevadores, entrar num carro e "testar" um percurso urbano, um jogo de viadutos, o prazer de cruzar uma ponte sobre um rio... É amigos, tudo isso é possível hoje em dia. Não digo que seja com o Autocad ou com o VectorWorks, com o 3D Studio Max ou com o Cinema 4D, por exemplo. Todas essas ferramentas nada mais fazem que desenhar ou modelar. Existem softwares onde podemos deslocar um complexo urbano inteiro e simular em tempo real, ou seja, tendo a experiência imediata de movimentos, luzes, sombras, sons e colisões que esses softwares CAD não podem nos dar. Esses softwares as empresas desenvolvedoras de jogos eletrônicos chamam de "Engines", na verdade, Game Engines.
Precisamos compreender que essa palavra "engine" não é restrita aos desenvolvedores de videogames. Engines são utilizados em engenharia mecânica e eletrônica por exemplo. A melhor forma de tentar traduzir esse termo é por "motor". Um engine é o elemento que possibilita algo funcionar, um motor. No caso dos vídeogames, o engine é o motor do jogo, o software que faz a leitura de toda a engenharia (scripts de progamação) responsável pelo funcionamento dos ambientes, dos personagens, dos sons, da inteligencia artificial, enfim, do espaço-tempo virtual do game.


Imagem do game S.T.A.L.K.E.R. - Shadows of Chernobyl

Desde o primeiro Doom (ID Games. 1993. Na verdade, um dos títulos seminais do modelo tradicional de FPS²) que os engines de vídeogames vem evoluindo rapidamente. Junto com eles a linguagem gráfica também se tornou complexa e realista, onde "shaders" e texturas são tratados com alta definição. Tudo isso inevitavelmente definiria os rumos futuros da representação realística dos ambientes urbanos e arquitetônicos dos vídeogames. O abismo existente entre as representações de um game de cinco anos atrás e de um título atual como Mirror's Edge (
Desenvolvido e publicado pela EA Games, 2008) é gigantesco. Isso nos mostra claramente a velocidade de evolução dessas tecnologias.
Observando atentamente a qualidade e possibilidades desses recursos, seria uma questão de tempo que suas extenções fossem levadas aos ambientes de CAD, como Autocad e VectorWorks, por exemplo, viabiliazando a construção de arquiteturas e visualizando-as em real time nos engines. Já fiz algumas experiências dessas e pude comprovar sua eficácia: manipulação de câmeras livres, texturização imediata, aplicação de luzes e sombras estáticas e dinâmicas, total manipulação do ambiente virtual. Porém, chegar a isso não é fácil, principalmente por que esses engines não trabalham (ainda) com as medidas usuais em CAD's (metro, centímetro ou polegadas). Você precisa exportar o que constrói em CAD para o engine e isso não é tão simples. Alguns engines como o Unreal, já trabalham com exportação direto do Autocad e do 3D Studio Max. Outros você tem que desenvolver toda a modelagem na própria interface do programa, tendo a habilidade de trabalhar corretamente as proporções, que serão as únicas referências de medidas que você utilizará. Mesmo assim, comprovando os resultados da genialidade e esforço de alguns grupos que já fazem experiências avançadas nesse campo na Europa e América, o caminho que leva à utilização e à consolidação da utilização pelos escritórios de arquitetura é só uma questão de tempo. E pouco tempo. Basta que alguma empresa de software CAD tenha a iniciativa.
A respeito dos grupos que conheço que já realizam experiências envolvendo urbanismo e arquitetura com game engines, posso destacar o UnrealStockholm (veja-os em : http://www.unrealstockholm.org/) e o excelente site do Dr. Andrew Hudson-Smith (do Centre for Advanced Spatial Analysis, da University College Londres), chamado Digital Urban (veja-o em: http://www.digitalurban.blogspot.com/ ) que para mim é o melhor conteúdo envolvendo espaços virtuais, arquitetura e urbanismo, vídeogames e games engines que existe.
Por enquanto, as iniciativas para nós arquitetos ainda são limitadas aos softwares CAD, porém, com os avanços da computação avançada e de sua presença cada vez mais próxima do usuário comum, não tardará a estarmos trabalhando em um grande projeto e ao mesmo tempo "jogando" com ele num Game Engine.


Need for Speed - uma cena que mostra uma estrutura que lembra Santiago Calatrava.

Notas:
¹ - CAD - Sigla para Computer Aided Design
² - FPS - sigla para First Person Shooter, traduzido livremente como "Tiro em Primeira Pessoa".