23/01/2015

O ESTRATAGEMA DA ARANHA

A aranha é um inseto curioso.
Olhando bem, até parece uma edificação:
Tem pernas que parecem pilares.
Olhos que parecem janelas.
Certa vez, vi um edifício pós-moderno que parecia uma aranha.
Mas até então jamais havia visto uma aranha que parecia um edifício.
Mas hoje, sentado aqui nesta praça, achei uma dessas,
Pequenina, pendurada em um fio reluzente.
Cautelosa, foi-se aproximando de mim.
Temi, mas logo percebi que não era eu quem ela queria.
Sou grande demais. Certamente ela teria uma indigestão.
Mas outro pequeno artrópode, que pululava em minha camisa, era o alimento perfeito!
Num movimento rápido e mortal, a presa estava subjugada.
Envolta em movimentos frenéticos e harmoniosos, a aranha envolveu o pobre inseto,
Numa teia intransponível para qualquer um do seu tamanho!
Encantado pelos movimentos da natureza esqueci que a aranha parecia um edifício.
E retomando meu raciocínio, percebi outra relação.
A luta entre dois instintos: o da conservação da vida, contra o desejo de alimentar-se da mesma.
Na luta entre presa e aranha, percebi que a aranha virava o dorso pra baixo.
E com isto, suas pernas já não pareciam pilares, e sim edifícios.
Seus olhos já não pareciam janelas e sim faróis de automóveis.
E os sulcos de seu corpo bulboso, ruas e becos.
Sim, na luta por alimento e sobrevivência, a aranha se tornou CIDADE.

Junio Kostas 

SAUDOSISMO

Fonte: correiodalapa.blogspot.com
Em uma noite chuvosa caminhei horas a fio
A fim de experimentar o desejo de possuir a cidade, num frenesi mental inimaginável!
Mas tudo que encontrei fora água, muita água; frio e...
... Um casarão antigo.
Abandonado por tudo que possa existir de humano,
Só a cidade o acolheu entre os seus:
Palácio de elementais, salamandras, ratos e morcegos.
Fauna e flora do desprezo.
Onde homens e mulheres gozaram e sofreram,
Só um rei Lich¹ reina agora soberano!
Sem temer os que por mim só sentem desprezo,
Trespassei seus portais e penetrei profundamente a virgindade do lugar:
Aposentos acolhedores, mas acanhados.

Espaços virginais, elementais, fantasmais.
Percorri por horas arrombando lacres ectoplasmáticos até quedar-me esgotado ao chão.
Ali sonhei com uma donzela em ato de amor.
Sussurrando aos meus ouvidos adormecidos palavras de desejo.
Desejos não satisfeitos em moradas viventes,
Agora realizados em moradas mortas e abandonadas.
Acordei-me ante o gozo e a tristeza dormente.
Tentei reter a imagem da enamorada donzela,
Mas só colhi a terrível e angustiante realidade da úmida sela.
Num único momento, vitalidade e certeza se tornaram temor e indignação.
O paradisíaco mundo dos elementais e reis liches agora era um pobre casario arruinado.
Quem? Quem pôde abandonar esse lugar?
Deixar intrusos absorver desejos jamais realizados!
Permitir que a memória fosse resumida a nada!
Pro azar de elementais, salamandras, ratas, morcegos e reis liches, tornei-me saudosista!
Agarro-me às pedras do passado!
Minha sensibilidade resumiu-se a um punhado de sonhos e desejos alheios,
Onde o orgasmo do nada é mais importante que própria existência do todo!
Sou saudosista!
Reformador do passado!
Meliante do novo!
Amante do desejo macerado!

Junio Kostas


¹ - Um lich, em obras de ficção, é um tipo de morto-vivo que, com uma magia, adquiriu a imortalidade. Geralmente foram, em vida, reis ou magos poderosos. Suas características são meio ósseas e também seus poderes são frios como o gelo.