23/12/2009

GAME ENGINES - O FUTURO DO CAD?

Imagem do game Need For Speed - Underground

Desde que o CAD¹ substituiu o desenho à prancheta venho observando seu progresso e desempenho no mundo do desenho arquitetônico. O que para alguns foi um processo natural dentro do campo da informática aplicada ao projeto, para outros foi uma revolução, que transformou o desenho de arquitetura para sempre.
Seja como uma mera ferramenta ou mesmo como um "sócio", a verdade é que hoje em dia o CAD é um elemento indispensável em qualquer estúdio de arquitetura. No início, ainda estudante, possuia um certo "impedimento interior" de mergulhar nesse recurso. Acreditava que o desenho à prancheta dava um aspecto mais "personalizado" ao desenho. Havia alí o teu traço, a tua habilidade com o equipamento, enfim, embora houvesse a padronização do desenho arquitetônico (justificável por uma questão de norma) ele não parecia tão industrializado quanto o CAD. Puro romantismo...
Com o tempo fui mergulhando no mundo virtual cada vez mais profundamente. E a cada mergulho, velhos preconceitos e medos eram postos de lado. O CAD se mostrou para mim como uma ferramenta de desenho poderosa. Além disso, abriu-me o mundo das idéias para algo mais fascinante ainda: o universo da modelagem eletrônica tridimensional.
Não é tão fácil ser um modelador 3d. Há que se escolher bem entre os diversos programas que estão no mercado. Há programas extremamente "burocráticos", outros mais intuitivos e de fácil manuseio. Porém, o mais importante mesmo é você saber em que direção está indo no mundo virtual (compreenda-se o "universo líquido" da computação avançada).
Eu sempre digo que iniciei tarde no mundo da informática. Mas quando comprei o meu primeiro microcomputador não foi tão difícil encontrar nos videogames um primeiro elo de mergulho na virtualidade. E isso para mim não deixou de ser uma surpresa. Desde criança evitava videogames. Achava mesmo coisa de "nerds", de garotos estúpidos a manusear botões e alavancas quase frenéticamente. Mas quando instalei o meu primeiro game (Clive Barker's Undying, 2001. EA Games) imediatamente compreendi o que fascina tanto a mente humana em busca da atividade lúdica no cumputador: a simulação. Eis a palavra chave, algo pelo qual devemos ter toda atenção, pois a simulação sempre foi algo muito caro à arquitetura. Por exemplo, uma maquete é um tipo de simulação, em escala muito pequena, de uma obra que se projeta pra a execução. Mas, algo fica faltando na maquete. Esse "algo" pode ser ampliado a diversas coisas. Entre elas posso destacar a mais importante: o movimento. Seja numa maquete física, ou numa maquete eletrônica estática (aquela que renderizamos e olhe lá), a ausência da simulação do movimento é desanimador. No fundo queremos observar a ação do tempo nessas estruturas, passear por entre seus compartimentos, tocar utensílios, abrir portas, acender e desligar luzes, enfim, hoje a maioria de nós deseja ter a experiência completa com o elemento simulado!
Tá certo... Você pode vender uma obra com uma maquete de papelão e plástico. Pode fazer uma apresentação entusiasmada a um público leigo com um punhado de imagens renderizadas sem movimento. Porém, nada disso chega próximo do efeito e da impressão de o observador poder "entrar" no ambiente em tempo real. Poder manusear a câmera para o percurso que desejar; poder subir escadas, elevadores, entrar num carro e "testar" um percurso urbano, um jogo de viadutos, o prazer de cruzar uma ponte sobre um rio... É amigos, tudo isso é possível hoje em dia. Não digo que seja com o Autocad ou com o VectorWorks, com o 3D Studio Max ou com o Cinema 4D, por exemplo. Todas essas ferramentas nada mais fazem que desenhar ou modelar. Existem softwares onde podemos deslocar um complexo urbano inteiro e simular em tempo real, ou seja, tendo a experiência imediata de movimentos, luzes, sombras, sons e colisões que esses softwares CAD não podem nos dar. Esses softwares as empresas desenvolvedoras de jogos eletrônicos chamam de "Engines", na verdade, Game Engines.
Precisamos compreender que essa palavra "engine" não é restrita aos desenvolvedores de videogames. Engines são utilizados em engenharia mecânica e eletrônica por exemplo. A melhor forma de tentar traduzir esse termo é por "motor". Um engine é o elemento que possibilita algo funcionar, um motor. No caso dos vídeogames, o engine é o motor do jogo, o software que faz a leitura de toda a engenharia (scripts de progamação) responsável pelo funcionamento dos ambientes, dos personagens, dos sons, da inteligencia artificial, enfim, do espaço-tempo virtual do game.


Imagem do game S.T.A.L.K.E.R. - Shadows of Chernobyl

Desde o primeiro Doom (ID Games. 1993. Na verdade, um dos títulos seminais do modelo tradicional de FPS²) que os engines de vídeogames vem evoluindo rapidamente. Junto com eles a linguagem gráfica também se tornou complexa e realista, onde "shaders" e texturas são tratados com alta definição. Tudo isso inevitavelmente definiria os rumos futuros da representação realística dos ambientes urbanos e arquitetônicos dos vídeogames. O abismo existente entre as representações de um game de cinco anos atrás e de um título atual como Mirror's Edge (
Desenvolvido e publicado pela EA Games, 2008) é gigantesco. Isso nos mostra claramente a velocidade de evolução dessas tecnologias.
Observando atentamente a qualidade e possibilidades desses recursos, seria uma questão de tempo que suas extenções fossem levadas aos ambientes de CAD, como Autocad e VectorWorks, por exemplo, viabiliazando a construção de arquiteturas e visualizando-as em real time nos engines. Já fiz algumas experiências dessas e pude comprovar sua eficácia: manipulação de câmeras livres, texturização imediata, aplicação de luzes e sombras estáticas e dinâmicas, total manipulação do ambiente virtual. Porém, chegar a isso não é fácil, principalmente por que esses engines não trabalham (ainda) com as medidas usuais em CAD's (metro, centímetro ou polegadas). Você precisa exportar o que constrói em CAD para o engine e isso não é tão simples. Alguns engines como o Unreal, já trabalham com exportação direto do Autocad e do 3D Studio Max. Outros você tem que desenvolver toda a modelagem na própria interface do programa, tendo a habilidade de trabalhar corretamente as proporções, que serão as únicas referências de medidas que você utilizará. Mesmo assim, comprovando os resultados da genialidade e esforço de alguns grupos que já fazem experiências avançadas nesse campo na Europa e América, o caminho que leva à utilização e à consolidação da utilização pelos escritórios de arquitetura é só uma questão de tempo. E pouco tempo. Basta que alguma empresa de software CAD tenha a iniciativa.
A respeito dos grupos que conheço que já realizam experiências envolvendo urbanismo e arquitetura com game engines, posso destacar o UnrealStockholm (veja-os em : http://www.unrealstockholm.org/) e o excelente site do Dr. Andrew Hudson-Smith (do Centre for Advanced Spatial Analysis, da University College Londres), chamado Digital Urban (veja-o em: http://www.digitalurban.blogspot.com/ ) que para mim é o melhor conteúdo envolvendo espaços virtuais, arquitetura e urbanismo, vídeogames e games engines que existe.
Por enquanto, as iniciativas para nós arquitetos ainda são limitadas aos softwares CAD, porém, com os avanços da computação avançada e de sua presença cada vez mais próxima do usuário comum, não tardará a estarmos trabalhando em um grande projeto e ao mesmo tempo "jogando" com ele num Game Engine.


Need for Speed - uma cena que mostra uma estrutura que lembra Santiago Calatrava.

Notas:
¹ - CAD - Sigla para Computer Aided Design
² - FPS - sigla para First Person Shooter, traduzido livremente como "Tiro em Primeira Pessoa".

26/11/2009

"GÊNIOS DA CRIAÇÃO"

Outro dia, caminhando pela Rua Padre Champagnat, tive a surpresa de ler em uma gigantesca "placa de obra" algo no mínimo curioso: "Aqui, está surgindo um empreendimento que será cartão postal de Belém. Um presente de Bechara Mattar e Brinquedolandia, para o Estado do Pará." "AGUARDEM..." Mais embaixo, não satisfeita, a gigantesca placa de obra (devo admitir que jamais vi uma placa de obra com essas dimensões), ainda nos deixa a lista dos "Gênios da Criação".
Analisando os "gênios da criação", pude notar alguns nomes já conhecidos no "cenário" arquitetônico local, e também nomes totalmente desconhecidos. Todo esse alarde sobre esse tal "futuro-cartão-postal de Belém" no mínimo nos deixa uma sensação de total segurança da parte desses arquitetos e clientes sobre a qualidade da arte que projetaram para esse lugar. Eu admito que seja um dos mais entusiastas e esperançosos espectadores desse cartão postal! A
final, não é todo dia que encontro uma placa de obra (onde não temos uma maquete ou imagem do projeto) na qual os investidores fazem uma propaganda tão "comovente" e alarmante sobre a sua qualidade! Como eu não tenho como comprovar através de uma imagem sequer a qualidade dessa "genialidade" que os arquitetos parecem presentear a cidade (sinceramente, hoje ficou tão fácil um escritório produzir uma maquete eletrônica - ver três posts abaixo - e os pais saberem o sexo dos seus bebês antes do nascimento, por exemplo), eu não posso fazer uma análise crítica, mas posso, como mero mortal, aguardar. Devemos todos aguardar...




"Gênios da Criação"
Sinceramente, eu não entendo esse tipo de coisa.


Nota:
Imaginando como isso aí poderia virar um "cartão postal", uma série de formas já passou pela minha cabeça. Só resta saber o que passa na cabeça dos "gênios".
O mais engraçado é que na placa tem uma parte escrita: "nós confiamos no papai do céu."
É ou não é pra rir?

CAD ou AAD?

CAD seria a sigla para Computer Aided Design, que significa literalmente em português Projeto Auxiliado por Computador. Porém, ultimamente uma coisa vem chamando minha atenção: Em toda parte, CAD significa simplesmente "autocad". Mesmo em concursos, onde se fazem provas de "CAD", as questões são sobre "autocad"! Na última entrevista que me submeti, o recrutador me perguntou qual meu nível de CAD. Hahaha, eu respondi "avançado", claro. Só que na hora do teste ele me apresenta: Autocad! Pro meu azar, eu sou avançado em VectorWorks... Que também é um CAD. Oras, por que não se pergunta logo: "Você sabe autocad?"
Enfim, eu creio que a sigla CAD, na verdade, devido ao mercado, foi pervertida para AAD - Autocad Aided Design (Projeto Auxiliado pelo Autocad). Isso significa que mesmo que todos os CADs (Pro-Engineer, VectorWorks, Microstation, SolidWorks, etc.) trabalhem tranquilamente exportando ou importando DXFs e DWGs (extensões do Autocad) as empresas de projetos parecem só saber ser auxiliadas pela Autodesk.
Sem mais...

20/11/2009

ARQUITETURA PROGRAMÁVEL - Enfim uma realidade.

A arquitetura programável, interativa e atualizável em real-time aos poucos se torna uma realidade. Desde quando conheci o projeto Trans-ports de Kas Oosterhuis, não imaginava que aquilo poderia realmente um dia ser executado. Via-o como um experimento entre virtualidade e espaço real, mais para virtual que real, tipo de "arquitetura de servidor"*; e apesar dos testes que a equipe de Oosterhuis realizou na Holanda, a construção de Trans-ports nunca foi uma realidade. Porém, recebi a noticia que a empresa alemã Festo desenvolveu uma parede que reage a presença humana, configurando-se e moldando-se através de sensores. Oriunda da robótica e da automação industrial, essa parede certamente em breve poderá ser aplicada por inúmeros projetos nos centros de excelência em arquitetura e construção. Já estou até vendo um Zaha Hadid ou um Gehry com essas paredes mechendo-se com o passar das pessoas.
Creio que a arquitetura sempre foi uma espécie de arte, algo próprio dela mesma, um campo especial de experimentação poética e tecnológica (pra dizer algo mais que "técnica"). E, junto com os avanços que as artes visuais atingiram com a revolução da multimídia, a arquitetura também se desenrola como um show a parte.

Veja abaixo o vídeo da Festo sobre as paredes interativas,
que também parecem uma obra de arte minimalista.




* - O que chamo carinhosamente de "arquitetura de servidor" deve ser compreendido no mesmo sentido de 'arquitetura digital'.

06/10/2009

FOTORREALISMO - necessidade ou banalização?

Observando o percurso do papel da ilustração na representação de arquitetura, não é dificil notar a incrível transformação que essa arte sofreu ao longo dos séculos. E ainda vem sofrendo, pois novas técnicas e recursos não param de surgir ou se transformar. Desde a representação em terra, passando pelo desenvolvimento da perspectiva, até a renderização de elementos 3d atuais, é certo que a manipulação da imagem sempre foi algo fundamental para o exercício do projeto. Mesmo vivendo na era da automação da produção da imagem, automação esta que é responsável por quase 90% da produção das imagens digitais, onde o artista na maioria dos casos apenas se dá ao trabalho de coletar uma determinada quantidade de texturas, quase todas realizadas por terceiros, e acumular tudo numa biblioteca dentro de um desses softwares de renderização, eu jamais deixei de admirar os trabalhos de artistas ilustradores de arquitetura que ainda realizam sua arte baseados no traço a mão livre, no recurso de técnicas de pintura ou mesmo utilizando o digital, mas de modo artístico e experimental. Creio que com as facilidades da renderização 3d, que se trata de um tipo de automação, houve uma banalização do fotorrealismo. Quanto mais "real' uma imagem parece ser, mais prostrados ficam arquitetos, clientes, publicidade, imobiliárias. Em pouco tempo surge a estandardização do produto e o mercado se limita a acomodar um tipo de varejo onde a arte e a poética ficam cada vez mais ausentes. Hoje em dia, a quantidade de "maqueteiros eletrônicos", "personal cadistas" e "designers" de renderização é avassaladora! Antes, a produção de imagem de projetos parecia ser terreno restrito de arquitetos e artistas visuais em busca de auto-afirmação num mercado exigente e promissor. Hoje, devido à automação, qualquer garoto curioso que domine um desses renderizadores 3d parece ser "master" no mercado. Todo mundo agora é designer, artista, etc. Parece que ficou fácil fazer maquete eletrônica, fotorrealismo (Já existe até culto à personalidade de maqueteiros digitais). Afinal, ficou fácil mesmo finalizar uma dessas artes. Não é preciso mais técnicas de desenho a mão livre, perspectiva cavaleira, três pontos etc. Apenas dominar um programa, paletas de seleção, paletas de orientação, aplicação de texturas, manipular filtros e efeitos etc. Grande parte do processo o programa faz pra você. Na contra-mão do fotorrealismo, muitos estúdios parecem desejar justamente o oposto. Criam maquetes e imagens que exigem algo da imaginação dos espectadores. Há experimentalismo e também a busca pela fidelidade das propostas. Podemos ver isso em muitas maquetes de escritórios contemporâneos, como MVRDV e NOX. Também mantendo-se na contra-correnteza da banalização da imagem fotorrealística, há sociedades de ilustradores de arquitetura, como a famosa American Society of Architectural Illustrations (Sociedade Americana de Ilustração de Arquitetura), sediada em Avondale, no estado do Arizona e que realiza a mais importante premiação dessa categoria, o The Hugh Ferriss Memorial Prize. De certa forma, atualmente em relação à ilustração de arquitetura, temos duas correntes fundamentais: O realismo, que apela ao mercado com o "ideal" de realidade, e o expressionismo, que produz imagens onde o subjetivo e o experimental se entrelaçam em resultados que agradam mais aos estúdios e a mídia especializada, que ao mercado imobiliário. Eu gosto de trabalhar com maquetes eletrônicas. Mas se o O.M.A. e o Peter Eisenman produzem imagens experimentais, e continuam realizando projetos e ganhando muita grana, eu posso facilmente dizer: às favas com o fotorrealismo!


MVRDV - Maquete eletrônica. Exemplo de renderização experimental.

NOX - Maquete eletrônica do Centre Pompidou em Metz.

MVRDV - Maquete de edicifios comerciais em Shenzhen.

OMA - Taipei Performing Arts Centre (um recado aos designers de maquetes: esse conjunto de imagens foi apresentado no concurso que deu o premio ao OMA por esse projeto).

Frank Constantino, membro da ASAI - Concert Hall

24/09/2009

ARQUITETO - ARTISTA - DESIGNER

Antoni Gaudí

Percebo que há três tipos de artistas. Aquele que estabelece seu próprio estilo acima de tudo; aquele que trabalha em função do mercado, ou melhor, do cliente, e aquele que valoriza tanto seu próprio estilo, quanto abre mão do gosto pessoal para satisfazer o do cliente. Na nossa profissão estes três tipos de “artistas” atuam claramente, assim como no campo do design e no campo das artes plástico-visuais. Todavia, deve ficar claro que a questão da formação é de vital importância para que um artista siga seu caminho e estabeleça sua forma de atuar.
Não é raro ver um artista plástico e sua obra pessoal exposta numa galeria. Eles, artista e obra, não estão ali somente para agradar aos visitantes, mas, acima de tudo para apresentar o resultado de uma perspectiva pessoal sobre a criação. Pintura, escultura, gravura, vídeo, performances, etc., todos resultados de processos íntimos de criação plástica envolvendo o autor e suas técnicas. São raros os artistas que compõem para o publico, ou melhor dizendo, para um “segmento do mercado”. A arte plástica pode ser considerada como uma poética que escapa da intimidade para apresentar-se ao domínio público.
Por outro lado, no design, enquanto área de atuação profissional diretamente relacionada com o comercio, a questão da individualidade parece não estar totalmente clara, pelo menos não como nas artes plásticas. Estabelecendo o design como restrito ao produto e a ilustração, sem desvanecer pela generalidade e diversidade que existe na palavra, é fácil notarmos que há uma forte tendência de considerar o gosto do mercado, suas necessidades e tendências, na hora de se estabelecer o que vai ser produzido (os cursos de design industrial e/ou o orientado a produto, todos se voltam para o mercado e suas necessidades). O design está completamente relacionado com o que as pessoas desejam consumir, com o tipo de valor e função que elas desejam que os objetos e imagens tenham ao seu redor, seja na vida urbana, coletiva, ou na individualidade do bem-estar pessoal. Este aspecto é raro nas poéticas das artes plásticas e visuais. Há exceções, claro, em momentos em que o design parece tão arte quanto uma escultura de Picasso, mas não me deterei nessa questão por hora.
Como profissão que agrega a infinidade da manifestação criativa humana, a arquitetura resulta tanto da postura individualista do “criador-artista”, quanto do designer voltado às tendências do mercado. Há arquitetos totalmente individualistas, donos do seu traço e estilo, como Frank Gehry e Niemeyer, por exemplo, até arquitetos mais “mercadológicos” que sobrevivem realizando aquilo que seus clientes desejam, seja funcional ou esteticamente.
A arquitetura, nesse sentido, parece alimentar um eterno antagonismo: ao mesmo tempo em que desejamos a individualidade criativa, precisamos fazer aquilo que as pessoas desejam. No fundo, o abismo que separa a criatividade livre da necessidade de se agradar o cliente é gigantesco. Não é fácil estabelecer uma ponte entre ambos. Geralmente necessita maturidade e tempo de atuação. Além de busca, busca constante por realizar aquilo que se quer.

A criatividade e os clientes.

Certa vez conversando com um cliente, disse a ele que as pessoas podem procurar um arquiteto por vários motivos, mas dois deles exercem influencia marcante nas relações entre profissional e cliente. O primeiro é o fato de um arquiteto mais ou menos desconhecido ser indicado, apresentado ou oferecido por terceiros, sejam parentes, amigos e outros clientes. O segundo, e mais importante para mim, é o cliente procurar um arquiteto por gostar do seu estilo, daquilo que ele projetou. O primeiro motivo envolve a necessidade, o segundo além da necessidade, envolve um fator cultural, de elevada importância para o florescimento da arquitetura e da presença dos arquitetos no que Rafael Moneo chama de “Olimpo dos manuais” . Na verdade, a história da arquitetura é construída a partir desse fator cultural e desse interesse pelo estilo dos arquitetos. Por exemplo, existiam centenas de arquitetos atuando na Inglaterra do século 17, mas fora apenas um Inigo Jones ou um Christopher Wren (este último com seus belíssimos campanários londrinos) que galgaram a história.
Hoje em dia vemos mistos de arquiteto-artista-plástico-designer nas figuras de Frank Gehry e Van Lieshout, por exemplo. Gehry, parece querer não apenas fazer edifícios como esculturas cubistas, mas também esculturas cubistas que parecem luminárias, ou vice-versa, e Van Lieshout, móveis que parecem algo in-usável. O design de Frank Gehry é de Frank Gehry e não do mercado. Compra quem gosta de arte. E como qualquer bom artista, há os seguidores e os críticos entusiasmados. Quando o arquiteto abre mão do que quer para fazer aquilo que as pessoas gostam, seu nome dilui-se no que é comum. O resultado em geral é a indiferença.
Os críticos que consideram o lugar desses artistas-arquitetos no limbo da história deveriam compreender que somente o chamado “traço pessoal” se mantém. Foi assim com C.R. Macintosh, está sendo assim com Herzog & De Meuron e será assim enquanto houver arquitetura.

Charles Rennie Macintosh

“Carlos, inventa, inventa. O bacana da arquitetura é inventar.”
Oswaldo Bratke a seu filho Carlos Bratke.

Tem muitos arquitetos que querem apenas aparecer. Fazem de tudo para figurarem em estampas de jornais e revistas, tirinhas de marketing de interiores etc. Muitos desses arquitetos abrem mão daquilo que gostariam de fazer para satisfazer o que seus patrocinadores querem. No fundo, realizam uma arquitetura superficial, uma arquitetura comum. No final a justificativa é sempre “precisei ganhar a vida” e nessa filosofia nada de bom e diferente, nada de inventivo surge. Estamos sempre fadados ao trivial.

Herzog & De Meuron

O sucesso do ideal de invenção não vem somente da bem aventurança nas coisas que se escolheu, como muitos iludidos acreditam, mas, antes de tudo, do fracasso. Para se chegar ao ideal é preciso experimentar e não se inventa sem experimentação. O arquiteto precisa ter a coragem de inventar e inventar não é fácil, necessita experimento e todo experimento passa pelo fracasso, quase sempre. Não há nada de vergonhoso em se tentar algo diferente, algo incomum, ninguém vai morrer por isso. Todavia, o incomum não pode ser irrealizável. Vou citar Gehry mais uma vez: O projeto do Guggenheim chegou num ponto que parecia irrealizável; suas curvas intransponíveis pelo CAD e pelo CAM. Mas, com a coragem necessária de se experimentar, algo novo foi atingido. A inclusão de um software de modelagem aeroespacial ofereceu a solução. Mesmo que parte da crítica desaprove muitos projetos de Gehry, vejo nele a coragem necessária do artista em experimentar e criar coisas completamente pessoais. Isso jamais, em minha opinião, será reprovável.

Frank Gehry (por que será que esses caras são todos velhos?)

Outro artista que sofreu a acidez da critica na sua época foi Gaudí. Admito que tenha uma admiração que beira a paranóia pela sua obra. Vampirizo cada borda das curvas de Gaudí como se fossem um suave licor. Alimento-me delas não para a imitação, mas para o aprendizado. O método de Gaudí foi totalmente experimental; principalmente em arquitetura, pois, o seu design, mesmo sendo algo muito particular e inovador, era realizado respeitando as convenções da madeira. Mas no que diz respeito à pedra, ao estuque, ao cimbramento, Gaudí foi ao extremo da invenção. Ele mesmo dizia que era preciso criar projetos que fossem realizáveis (ele tinha consciência de sua arte e do grau de dificuldade dela). Para isso, Gaudí desenvolveu seu método particular de testar as estruturas. Através de um intrincado e quase hermético sistema de cordas e pesos, ele atingia a solução para determinar a forma como colunas e vigas, paredes e outros fechamentos deveriam conter os esforços de tração e compressão. Na verdade, todos os esforços estruturais que hoje estudamos e resolvemos com softwares, Gaudí resolvia com suas cordas e pesos.
Todos no fundo somos formados para reivindicar a condição de arquiteto propriamente dito, artista visual e designer. Nossa formação e características pessoais é que vão determinar nossos rumos. Como arquiteto, gosto de ser artista plástico e designer também. Sei que estou apenas começando e que minha pouca idade só me permite encher o peito de coragem para experimentar nas oportunidades que me aparecerem. Digo “experimentar” tendo consciência dos possíveis fracassos, não obstante, saber que fracassos em arquitetura não significam derrubar um edifício em cima dos seus moradores. Pode haver um fracasso em algo que se elegeu como paradigma, porém, mais tarde se compreendeu como algo inapropriado. É preciso saber negar, não somente aos outros, mas também a si mesmo. Muitas das coisas que realizamos ontem temos que saber deixar pra trás e tentar o novo.
Como designer e arquiteto, sei que diversas vezes é preciso saber conquistar um cliente realizando aquilo que ele quer, aquilo que o mercado deseja, exige. Mas como artista, sei que tenho uma obrigação comigo mesmo para experimentar e inventar aquilo que eu quiser.

23/09/2009

A ignorância é uma benção.

Tenho compaixão pelos viajantes; daqueles que tomam um avião ou navio, um ônibus ou um carro e saem do estado rumo a uma dessas cidades evoluídas. Nova Iorque, Chicago, Londres, Estocolmo, Frankfurt, Paris, São Paulo, Buenos Aires, etc. Frustrante sair de Belém, visitar esses lugares e voltar pra cá. “Frustrante por quê? Viajar é ótimo!” Concordo, mas duvido que você que já viajou muito ou pouco, conheceu pelo menos um desses lugares, ou outros que tenha omitido, jamais tenha experimentado a realidade de estar no primeiro mundo e ter que retornar ao terceiro. Ver os dias da visita findarem como areia nas mãos durante a ventania... E a terrível sensação de “quero mais”.
Bom, procurarei ser mais claro. Para um ribeirinho, que vive em uma casa sobre o rio em São Domingos do Capim por exemplo, visitar Belém é o máximo. Ruas imensas, carros em disparada, ônibus superlotados, pessoas indo e vindo. Para o ribeirinho, pouco importa se Belém tem metrô ou não. Pouco importa se as ruas estão congestionadas, se o nosso maior “arranha-céu” ainda está em construção e tem apenas 40 andares. Para o ribeirinho, volto a dizer, pouco importa se os camelôs pervertem as calçadas, poluem a entrada da cidade, se os “ricos” fazem fila dupla tranquilamente para pegar seus pequeninos (às vezes marmanjos) na porta da escola (compreensível devido à violência, porém inadequado devido à desorganização) em ruas de tráfego intenso. Pouco importa o balé dos lixos após o expediente na Presidente Vargas. Pouco importa para ele, que deixou sua casa no meio do nada para visitar um parente agonizando num desses hospitais públicos desestruturados, que Belém tenha todos esses defeitos, toda essa pequenez. Para ele, nossa cidade é um exemplo de lugar desenvolvido. Mais ou menos consciente da sua ignorância, quem é ele para questionar o estado das coisas?
Todavia, para mim, que já visitei muitos lugares, sem falar nos que conheço pela mídia, Belém é uma cidade pequena, atrasada, que parece caminhar na contramão do tempo. Temos uma população do tamanho da de Porto Alegre (mais ou menos um milhão e meio de habitantes), mas nossa estrutura urbana é de uma cidade de 200 mil habitantes. A mais ou menos 50 anos Belém cresceu assustadoramente em número de habitantes mas nossa estrutura urbana, seus equipamentos e mobiliários, parece ter permanecida a mesma que satisfazia a colônia portuguesa que aqui vivia no século 19. Nosso maior herói ainda é um arquiteto-engenheiro que viveu nesse período. Para termos uma idéia, nos anos 1930, Nova Iorque já possuía edifícios com mais de 40 andares e uma rede de circulação ferroviária no subsolo da cidade. Eu disse anos 30 do século passado!
Por incrível que pareça, a vida comercial é um dos motores da “renovação” da nossa cidade! Por causa de um shopping, uma passarela em estilo “contemporâneo” está sendo construída no entroncamento. Por causa de outro shopping, estão construindo uma ponte sobre o canal e em função de uma loja foram retirados os camelôs da Presidente Vargas (sem revolver a questão que foi “colocada debaixo do tapete” entulhando-os nas ruas transversais). A iniciativa privada, a vida comercial, parece movimentar a seu bel-prazer, a cidade para frente ou para trás, de acordo com o que lhe é mais conveniente.
A ignorância é realmente uma benção... Se eu não tivesse conhecido nenhum desses lugares, estaria satisfeito. Belém seria do tamanho das minhas pretensões! Belém seria como o mapa do videogame que brinco com meu sobrinho: Não me interessa ir além, pois o que eu tenho me basta. Feliz é o ribeirinho, que vem resolver problemas na cidade grande e sente saudades da vida tranqüila no meio do mato! Triste sou eu, que vou até Londres e quero mais é ficar por lá!
É, talvez esteja lendo muito Koolhaas... Basta, preciso de um pouco de ignorância.

14/08/2009

A ARTE DE FAZER CANTAR O PONTO DE APOIO

"A arquitetura é uma ciência, surgindo de muitas outras, e adornada com muitos e variados ensinamentos: pela ajuda dos quais um julgamento é formado daqueles trabalhos que são o resultado das outras artes."
Marco Vitrúvio Polião


Gottfried Böhm - Construção na cidade de Köln, Alemanha.

Em uma palestra para alunos de uma universidade na América, Sammy Cahn, compositor musical, disse: “Não há carreira mais gratificante, esteticamente e financeiramente do que a de um compositor bem-sucedido”. Imediatamente um rapaz da platéia o perguntou: “Sr. Cahn, estou estudando arquitetura. O que há de errado com um arquiteto bem-sucedido?” Cahn respondeu: “Nada, mas quem anda na rua cantarolando um prédio?”.

Fora toda graciosidade que se encontra na resposta desse grande compositor a um estudante de arquitetura, nós podemos ver o quanto cada arte fala sua própria linguagem e se autovaloriza. Mas, em se tratando da arquitetura, e sem querer parecer excêntrico demais, creio que o trato em relação às outras artes deva ser compreendido sob a importância que existe dentro da arquitetura do conhecimento e, por que não, do domínio das outras artes: Arquitetura também é música, pintura, escultura, poesia e movimento.
Por isso muitos poetas afirmam que um edifício “canta”, “dialoga”, “conversa”, “chora” ou “ri”. Toda esta expressão poética é própria da arquitetura e no que diz r
espeito à manipulação científica da matéria em espaço humano, restrita unicamente a ela.
“Fazer cantar o ponto de apoio” é uma expressão poética sobre uma ciência (arquitetura) que toma da música o conhecimento necessário para sua atividade. Da mesma forma, “o jogo sábio, correto e magnífico dos volumes reunidos sob a luz”, ambas atribuídas a Le Corbusier, retira da escultura sua inspiração criativa.
Esse legado da ciência/arte chamada Arquitetura jamais será superado por qualquer outra manifestação da criação humana, justamente por se tratar de algo que está na base da nossa necessidade de edificar e transmitir através dessa edificaç
ão os diversos aspectos e nuances da civilização em que vivemos.

"A arquitetura é a fisionomia das nações"
Marquês de Custine.

Richard Meier

"Arquitetura é música petrificada."
J.W. Goethe


Hani Rashid and Lise Anne Couture


"Arcos, pilastras e paredes encerravam o Homem no paraíso"

Oscar Niemeyer

14/03/2009

URBANISTAS... PRA QUE?

São diversos os elementos que juntos formam uma cidade. Ruas, avenidas, vielas, casas, prédios, praças, centros comerciais, aeroportos, hospitais, escolas, estações de ônibus, entre diversas outras coisas. Para um leigo, as maneiras como esses elementos vão parar num certo espaço e num lugar que ele chama de “cidade” ou de “bairro” pouco importa. Para um mero cidadão que vive numa cidade mais ou menos inconsciente de sua forma ou modus operandi, talvez o mais importante seja saber, por exemplo, como chegará ao trabalho e, depois do trabalho, em casa. Se uma avenida está “engarrafada”, talvez seja culpa do trânsito, da chuva, ou de algum inevitável choque entre automóveis. Se a rua enche depois da chuva a “culpa” é da chuva ou então da cidade que está “muito próxima do nível do mar”! Acaso se demore muito para chegar da periferia ao centro e do centro à periferia, se o fluxo das vias urbanas é lento e maçante, se há avenidas completamente desertas e outras demasiadamente trafegadas, a culpa é também da cidade, que “cresceu de forma desordenada”. Sabemos que todos estes problemas e também essas opiniões existem numa cidade como Belém. Mas as pessoas comuns, por uma questão de pura ignorância e interesse, desconhecem totalmente que por trás do crescimento orgânico de uma cidade (seja ordenado ou desordenado) há agentes que podem e devem regular todo o processo: Os administradores públicos, isto é, os prefeitos e governadores e seu séqüito de secretários.
Numa cidade grande como Belém, espera-se que esse secretariado seja formado por profissionais com nível superior e muito bem preparado para o gerenciamento da cidade. Por outro lado, no campo, no meio rural, na grande maioria das vezes, o grupo que assessora um prefeito é formado por gente da mais baixa formação profissional. Por hora não vou me deter nessa questão rural ou de cidades pequenas, que é tão infeliz e dramática quanto à questão da Grande Belém. Vou permanecer focalizado no âmbito da metrópole.
Desde que tomei consciência de cidadão, Belém é uma cidade problemática. Entram e saem prefeitos e a cidade continua apresentando problemas crônicos e agudos. Os diagnósticos são sempre os mesmos e parece não haver remédio que os resolvam a curto e médio prazo. Deixam tudo para o tal de “longo prazo”. Mas, enquanto as décadas escorrem “feito um rio que passou em minha rua”, o “longo prazo” parece significar uma eutanásia urbana! Não conseguir resolver os problemas de Belém está se tornando um paradigma.
Uma cidade que conta com dezenas de arquitetos e urbanistas devidamente diplomados, que é considerada pequena para os padrões de grandes metrópoles nacionais como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, por exemplo, a incapacidade para conseguir um único método que seja possível resolver grande parte de seus problemas parece exigir mesmo uma eutanásia. Ou então deixar a moribunda agonizar anos a fio (sim, Belém agoniza).
Precisamos compreender que a questão é muito séria, pois somos urbanistas.
Devemos ter em mente que o Estado investiu muito dinheiro em nossa formação (digo, os que se formaram numa faculdade pública, mas isso não exime a responsabilidade dos formados no meio privado). Investiu e ainda investe muito dinheiro para manter uma faculdade de arquitetura e urbanismo pública. Se for uma excelência ou não em ensino, isto é irrelevante, a realidade é que ela já diplomou centenas. E em troca, o que nós arquitetos e urbanistas demos ao Estado? Pouco ou nada. Enquanto dezenas estão nesta noite sonhando com algum salão desses de decoração e arquitetura de coluna social, a cidade está pedindo socorro! A cidade está gritando: “urbanistas me ajudem!” Só que é mais fácil nossos colegas despertarem deste sonho por causa do mio do gato do que pelo grito de socorro da cidade. E a indiferença é a maior aliada à falta de desenvolvimento e planejamento urbano.
A maioria de nós arquitetos rasgamos ao meio o diploma e só penduramos na parede a parte “Arquiteto”, enquanto que a outra, “e Urbanista”, jogamos no lixo, ou então, no melhor dos casos, escondemos entre os documentos velhos. Alguns colegas estão certos que ao “urbanizar” um mísero condomínio, ou uma praça de alimentação de um Shopping Center, estão colocando em prática anos de formação em urbanismo. A meu ver, isso soa como pegar todos os anos de formação e toda a vasta teoria de física nuclear e desenvolver um foguetinho de São João!
Mesmo em aplicações tão irrisórias, devem-se prever as conseqüências: um ou dois bancos de praça colocados em uma rua exigem sólido conhecimento e habilidades em urbanismo e planejamento urbano. Seus dois banquinhos, por exemplo, podem suscitar a formação da “Associação dos idosos que usam os Banquinhos da Rua”. Ou talvez um grupo de prostitutas passe a utilizar os banquinhos durante a noite, atraindo uma movimentação extra de automóveis. Essa movimentação pode resultar em acidentes. Por causa das prostitutas, traficantes passem a freqüentar a área, deixando a “Associação dos idosos que usam os Banquinhos da Rua” revoltada. Os velhinhos que antes cuidavam do lugar passam a ignorá-lo e com isso, a degradação é inevitável.
Deixando um pouco as ironias de lado, e voltando ao assunto extremamente sério, gostaria de fazer um pequeno apelo. Um apelo não somente a ti ou a ele, mas a mim também, pois eu, na qualidade de profissional urbanista, também preciso me movimentar. Nós precisamos desenvolver uma forma de ajudar nossa cidade. A questão é crucial, por que não há outros profissionais capazes de fazê-lo senão nós! Mas também creio ser árdua a missão de começar a movimentar-se a partir da estaca zero. Precisamos de um “empurrãozinho”...
Esse “empurrãozinho” pode ser dado por uma prefeitura comprometida com o bem maior, por exemplo, ou por quaisquer outras instituições sensíveis aos problemas da urbanidade (entendam-se, caros leitores, “comprometimento” e “sensibilidade” com o sentido de responsabilidade). Creio que a Prefeitura de Belém poderia incentivar os urbanistas a elaborar programas de intervenção no meio urbano com uma freqüência muito maior do que estamos acostumados, pois dificilmente as soluções virão de uma única cabeça ( ou melhor, de uma única secretaria). Poderia incentivar a formação de grupos de estudo e pesquisa, de uma corrente de escritórios que dialoguem o urbano e a cidade e de urbanistas recém-formados com energia para explorar novas propostas e novos conceitos. Isso parece utópico, mas não é. O meio de tornar isso possível é através da subvenção. A prefeitura poderia subsidiar esses movimentos através de:
1 – Concursos de projetos elaborados para fins específicos;
2 – Premiações a propostas de intervenções de diversas naturezas, desde que voltadas às questões do desenvolvimento urbano;
3 – Subvenções a estúdios e/ou a profissionais autônomos comprometidos com a produção de pesquisas técnicas e cientificas na área de urbanismo, como consultoria direta às secretarias de urbanismo e planejamento urbano.
Esses tipos de subvenções para as áreas do urbanismo são utilizados em muitos países. Eles são utilizados na Holanda, por exemplo. Lá, os modelos de relações entre o Poder Público e os Arquitetos e Urbanistas são exemplares.
Para você ter uma idéia, se um jovem acaba de se formar e resolve montar um estúdio, o governo holandês, através do Instituto Holandês de Arquitetura, o NAI (Nederlands Architectuur Instituut), pode subsidiar esse estúdio por até sete anos. Durante esse período de subvenção estatal, o estúdio se comprometeria em oferecer certa quantidade de propostas e projetos para a infinidade de questões que assolam o espaço físico da Holanda. Neste mesmo país, as discussões sobre as intervenções são arrastadas até se atingir a unanimidade ( o chamado Modelo de Consenso, oriundo da cultura polder holandesa). Isso pode arrastar um processo de intervenção a um tempo maior do que o esperado, porém, pelo menos no que diz respeito ao incentivo estatal e aos processos de produção de projeto, não existe arbitrariedade em aplicações urbanísticas na Holanda.
Eu pergunto: Por que é tão difícil seguirmos tal modelo? Por questões financeiras, culturais? Ou não seria apenas um caso de falta de compromisso e vontade política?
Creio que tudo se trata apenas de uma decisão e compromisso do poder publico. Gente pra pensar e realizar propostas tem de sobra. O que não existe é parceria e nem incentivos. Temos doutores e mestres em urbanismo e muitos intelectuais também. Precisamos criar e desenvolver nossos modelos de discussão e propostas para o desenvolvimento da cidade e também do estado. Isso não é difícil. Basta que tenhamos incentivos para isso. Do jeito que está pouco ou nada de duradouro se conseguirá. Precisamos nos reunir em torno das propostas que estão em vigor e reavaliá-las, ou até mesmo, simula-las, e em caso de desaprovação, desenvolver outras e mais outras propostas. Precisamos criar e amadurecer uma “cultura do projeto” em nossas administrações públicas e nessa cultura, extrair o supra-sumodas melhores propostas e começar a realizá-las.
Hoje em dia possuímos ferramentas que os nossos antepassados urbanistas jamais imaginaram. Com os avanços da computação, podemos colocar todo um complexo urbano no meio virtual e simulá-lo em tempo real. Com os meios de telecomunicação podemos contatar os envolvidos diretos nas intervenções e saber suas opiniões e sugestões. Podemos receber orientações de urbanistas de outros continentes, sem precisar atravessar uma rua para isso! Então, o que justifica tanta falta de produção? Indiferença e irresponsabilidade. Fora isso, eu não vejo outra justificativa. E se manterem-se tais paradigmas, o caos urbano entrará em um processo de desenvolvimento em que as gerações futuras talvez não possuam força para deter.

03/01/2009

POR QUE BELÉM ESTÁ FEIA?

Prédio da Casa Outeiro, onde está hoje o Edifício Manoel Pinto da Silva.

Muitos de nós, arquitetos, ou mesmo um cidadão comum, já se fez essa pergunta um dia, não e verdade? Para o cidadão comum, responder a essa questão pode não ser tão simples. Mas para nós, ela é bastante clara: Belém, a gloriosa cidade do passado, a ex-jóia da Amazônia, a Paris dos Trópicos, é hoje uma caricatura, um cancro, um colar sem pérolas, uma cidade sem alma, uma cidade sem estilo, simplesmente por que lhe falta a Boa Arquitetura. Sim caros amigos e colegas leitores, Belém ainda não possui a Boa Arquitetura!
Perdoem-me os entusiastas, mas a Belém de hoje não tem estilo algum. Nem contemporâneo, nem histórico!
Belém era bonita por que possuía uma arquitetura que estava de acordo com seu ideal de metrópole. E essa arquitetura tinha um estilo. Um estilo cuja caricatura, ainda se encontra mais ou menos pulverizado pela cidade. E, por incrível que ainda possa parecer, é o único exemplo da Boa Arquitetura que ainda p
odemos contemplar. O resto é pano de fundo.
Agora, vamos aos culpados... Primeiramente diagnosticar os erros.
O primeiro erro é ter-mos permitido a degradação da nossa arquitetura antiga. O segundo, após essa degradação, é não termos tido a capacidade de substituir a bela arquitetura antiga, por uma bela arquitetura moderna e contemporânea! Não ter passado jamais será pior que não ter presente! E em relação à arquitetura, por pouco não perdemos todo o passado e o presente ainda não nos convenceu.
Sou capaz de cometer uma grave blasfêmia aqui ao afirmar que preferiria ver toda a arquitetura antiga no subsolo de uma arquitetura contemporânea rica em estética, filosofia e arte! O que eu não consigo admitir é como conseguimos ter a capacidade de viver nos escombros de uma rica (pra não dizer riquíssima e maravilhosa) arquitetura histórica sem que nossos arquitetos tenham se esforçado pra realizar uma arquitetura pelo menos à altura (pra não dizer melhor) da que tínhamos no passado! Ou seja, acabou-se com nossa bela arquitetura antiga... E ela não foi substituída. Pelo menos ainda.

Grande Hotel, que foi demolido pora dar lugar ao Hilton Hotel.

(Um pequeno parêntese)
Você talvez possa estar pensando: "Ah, Junio, falar é mais fácil do que fazer..." Por um lado eu concordo. Para quem "não está no mercado" (por favor, entenda-se "não estar no mercado" como um estado de ser, assim como "estar no mercado" é um outro estado de ser) pode ser mais fácil ficar observando o que "os outros" estão fazendo, não é mesmo? E além de observar, "soltar o malho", "meter o pau" na obra alheia.
Isso pode ser até mesmo uma prática oriunda de uma perversão particular. Uma perversão originada no prazer de desmerecer o trabalho dos "outros". Ou, pior, uma prática oriunda de uma amargura profissional pessoal, uma decepção com a própria profissão, uma retaliação pessoal contra alguém ou contra um grupo de pessoas, e, muito pior e desgraçadamente infeliz ainda, uma prática oriunda de uma falta de estima profissional e intelectual...
Amigos... Falar talvez seja mais fácil. Porém, falar com embasamento teórico, com imparcialidade, com conhecimento de causa, com formação, com liberdade, respeito e, principalmente, com responsabilidade, não é tão fácil quanto fazer! E quem fala e escreve com tais embasamentos, certamente que merece respeito, assim como quem faz e pratica com embasamento também merece o mesmo respeito! Agora, quem fala, escreve ou pratica sem embasamento algum, como se fosse um pajé ou curandeiro qualquer, esse não merece nem vômitos ou excrementos, quanto mais respeito.
Sou um arquiteto que ama sua profissão. Que se emociona ao falar ou escrever sobre ela. Que sabe admirar, assim como questionar o belo e o feio. Um profissional que procura sempre, antes de tudo, o respeito e a admiração pelos outros colegas. Porém, se um colega prefere jogar no lixo sua oportunidade de estar no mercado, atuando, criando obras pífias e sem valor algum, sinceramente, esse colega está contribuindo para a mediocridade e a pobreza da nossa arquitetura... E isso não pode ser perdoado! E aquele que porventura possua o "dom" da teoria e da crítica, por favor, escreva! Procuro sempre considerar que: se você não está fazendo arquitetura, pelo menos deve estar pensando nela e se está pensado nela e está pensando bem, deve escrever.


Armazéns da Alfândega, onde hoje está parte da Estação das Docas.

(Fechando o parêntese e voltando ao assunto)

Agora que conseguimos muito facilmente destacar a resposta e o primeiro e o segundo (e mais grave) erro (por que Belém está feia?), vamos agora destacar claramente os verdadeiros e únicos culpados.
O primeiro culpado é o Poder Público e podemos melhor chamar esse poder público de Prefeitura e Estado. E para uma melhor classificação, podemos desmembrar essa responsabilidade pelas diversas secretarias públicas. Ou seja, há um sistema público que desqualificou nossa arquitetura antiga, que destruiu nosso patrimônio inescrupulosamente. E isso se resume em:


1 - Prefeitos e governadores incultos que permitiram a destruição do patrimônio
.
2 - Prefeitos e governadores desonestos que barganharam com o patrimônio cultural, comercializando-o aos seus bel-prazeres
.
3 - Prefeitos, governadores e secretários da mais baixa qualificação para o gerenciamento e a administração do patrimônio cultural, social e artístico de um povo
.

Esses são os principais culpados pelo fato de Belém se encontrar tão feia, abandonada e sem interesse arquitetônico-artístico nacional e internacional
.
Além desses existem os outros culpados. E adivinhem quem são eles. Aha! Errou! Somos nós, meu amigo, os arquitetos e urbanistas
!
Somos por vários e vários motivos
.
Vou apenas destacar os mais claros: Somos culpados por não termos realizado projetos que estivessem à altura (estética, conceitual e artisticamente falando) das obras históricas. Somos culpados por não termos tido a capacidade de ter criado um estilo forte no modernismo ou na arquitetura contemporânea (para essa ainda há tempo). Somos culpados por sermos tão desunidos. E por causa dessa desunião, não termos força para antes questionar a destruição da arquitetura do passado. E, também, por causa dessa desunião, não termos força para, agora, lutarmos por uma maior presença nas decisões sobre as intervenções na cidade
.
Somos culpados por ainda não termos um órgão onde possamos nos reunir, onde possamos pensar e decidir por quais caminhos tomar. Somos culpados por abandonarmos nossos recém-formados ao caminho da incerteza. Somos culpados por nos satisfazermos com propagandas enganosas, com prêmios e destaques adquiridos “via boleto bancário”, com presenças em revistas e jornais não especializados, escritos e mantidos por editores e jornalistas sem conhecimento profundo de arquitetura, que só visam o comércio e a troca de favores. Somos culpados por sermos tão vaidosos... E na nossa vaidade, esquecemos que somos muito menor, sim, muito menor que a coletividade de uma cidade. Somos muito menores que a Arquitetura e que somente através dela podemos conquistar a coletividade e através dessa conquista verdadeira possamos ser grandes e reconhecidos realmente.
Precisamos acreditar no poder da Arquitetura. Precisamos acreditar que os arquitetos são os únicos que podem mudar toda a paisagem de uma cidade do pior para o melhor! E que todas as cidades famosas e interessantes do mundo têm uma arquitetura à altura.
Portanto, no dia em que os governantes, homens com o verdadeiro poder nas mãos, e os arquitetos, homens com as verdadeiras ferramentas nas mãos, reconhecerem seus erros e limitações, nesse dia Belém dará os primeiros passos rumo a um espelho onde se verá bela e reluzente... E como no passado, nós teremos orgulho de viver aqui.

***