14/03/2009

URBANISTAS... PRA QUE?

São diversos os elementos que juntos formam uma cidade. Ruas, avenidas, vielas, casas, prédios, praças, centros comerciais, aeroportos, hospitais, escolas, estações de ônibus, entre diversas outras coisas. Para um leigo, as maneiras como esses elementos vão parar num certo espaço e num lugar que ele chama de “cidade” ou de “bairro” pouco importa. Para um mero cidadão que vive numa cidade mais ou menos inconsciente de sua forma ou modus operandi, talvez o mais importante seja saber, por exemplo, como chegará ao trabalho e, depois do trabalho, em casa. Se uma avenida está “engarrafada”, talvez seja culpa do trânsito, da chuva, ou de algum inevitável choque entre automóveis. Se a rua enche depois da chuva a “culpa” é da chuva ou então da cidade que está “muito próxima do nível do mar”! Acaso se demore muito para chegar da periferia ao centro e do centro à periferia, se o fluxo das vias urbanas é lento e maçante, se há avenidas completamente desertas e outras demasiadamente trafegadas, a culpa é também da cidade, que “cresceu de forma desordenada”. Sabemos que todos estes problemas e também essas opiniões existem numa cidade como Belém. Mas as pessoas comuns, por uma questão de pura ignorância e interesse, desconhecem totalmente que por trás do crescimento orgânico de uma cidade (seja ordenado ou desordenado) há agentes que podem e devem regular todo o processo: Os administradores públicos, isto é, os prefeitos e governadores e seu séqüito de secretários.
Numa cidade grande como Belém, espera-se que esse secretariado seja formado por profissionais com nível superior e muito bem preparado para o gerenciamento da cidade. Por outro lado, no campo, no meio rural, na grande maioria das vezes, o grupo que assessora um prefeito é formado por gente da mais baixa formação profissional. Por hora não vou me deter nessa questão rural ou de cidades pequenas, que é tão infeliz e dramática quanto à questão da Grande Belém. Vou permanecer focalizado no âmbito da metrópole.
Desde que tomei consciência de cidadão, Belém é uma cidade problemática. Entram e saem prefeitos e a cidade continua apresentando problemas crônicos e agudos. Os diagnósticos são sempre os mesmos e parece não haver remédio que os resolvam a curto e médio prazo. Deixam tudo para o tal de “longo prazo”. Mas, enquanto as décadas escorrem “feito um rio que passou em minha rua”, o “longo prazo” parece significar uma eutanásia urbana! Não conseguir resolver os problemas de Belém está se tornando um paradigma.
Uma cidade que conta com dezenas de arquitetos e urbanistas devidamente diplomados, que é considerada pequena para os padrões de grandes metrópoles nacionais como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, por exemplo, a incapacidade para conseguir um único método que seja possível resolver grande parte de seus problemas parece exigir mesmo uma eutanásia. Ou então deixar a moribunda agonizar anos a fio (sim, Belém agoniza).
Precisamos compreender que a questão é muito séria, pois somos urbanistas.
Devemos ter em mente que o Estado investiu muito dinheiro em nossa formação (digo, os que se formaram numa faculdade pública, mas isso não exime a responsabilidade dos formados no meio privado). Investiu e ainda investe muito dinheiro para manter uma faculdade de arquitetura e urbanismo pública. Se for uma excelência ou não em ensino, isto é irrelevante, a realidade é que ela já diplomou centenas. E em troca, o que nós arquitetos e urbanistas demos ao Estado? Pouco ou nada. Enquanto dezenas estão nesta noite sonhando com algum salão desses de decoração e arquitetura de coluna social, a cidade está pedindo socorro! A cidade está gritando: “urbanistas me ajudem!” Só que é mais fácil nossos colegas despertarem deste sonho por causa do mio do gato do que pelo grito de socorro da cidade. E a indiferença é a maior aliada à falta de desenvolvimento e planejamento urbano.
A maioria de nós arquitetos rasgamos ao meio o diploma e só penduramos na parede a parte “Arquiteto”, enquanto que a outra, “e Urbanista”, jogamos no lixo, ou então, no melhor dos casos, escondemos entre os documentos velhos. Alguns colegas estão certos que ao “urbanizar” um mísero condomínio, ou uma praça de alimentação de um Shopping Center, estão colocando em prática anos de formação em urbanismo. A meu ver, isso soa como pegar todos os anos de formação e toda a vasta teoria de física nuclear e desenvolver um foguetinho de São João!
Mesmo em aplicações tão irrisórias, devem-se prever as conseqüências: um ou dois bancos de praça colocados em uma rua exigem sólido conhecimento e habilidades em urbanismo e planejamento urbano. Seus dois banquinhos, por exemplo, podem suscitar a formação da “Associação dos idosos que usam os Banquinhos da Rua”. Ou talvez um grupo de prostitutas passe a utilizar os banquinhos durante a noite, atraindo uma movimentação extra de automóveis. Essa movimentação pode resultar em acidentes. Por causa das prostitutas, traficantes passem a freqüentar a área, deixando a “Associação dos idosos que usam os Banquinhos da Rua” revoltada. Os velhinhos que antes cuidavam do lugar passam a ignorá-lo e com isso, a degradação é inevitável.
Deixando um pouco as ironias de lado, e voltando ao assunto extremamente sério, gostaria de fazer um pequeno apelo. Um apelo não somente a ti ou a ele, mas a mim também, pois eu, na qualidade de profissional urbanista, também preciso me movimentar. Nós precisamos desenvolver uma forma de ajudar nossa cidade. A questão é crucial, por que não há outros profissionais capazes de fazê-lo senão nós! Mas também creio ser árdua a missão de começar a movimentar-se a partir da estaca zero. Precisamos de um “empurrãozinho”...
Esse “empurrãozinho” pode ser dado por uma prefeitura comprometida com o bem maior, por exemplo, ou por quaisquer outras instituições sensíveis aos problemas da urbanidade (entendam-se, caros leitores, “comprometimento” e “sensibilidade” com o sentido de responsabilidade). Creio que a Prefeitura de Belém poderia incentivar os urbanistas a elaborar programas de intervenção no meio urbano com uma freqüência muito maior do que estamos acostumados, pois dificilmente as soluções virão de uma única cabeça ( ou melhor, de uma única secretaria). Poderia incentivar a formação de grupos de estudo e pesquisa, de uma corrente de escritórios que dialoguem o urbano e a cidade e de urbanistas recém-formados com energia para explorar novas propostas e novos conceitos. Isso parece utópico, mas não é. O meio de tornar isso possível é através da subvenção. A prefeitura poderia subsidiar esses movimentos através de:
1 – Concursos de projetos elaborados para fins específicos;
2 – Premiações a propostas de intervenções de diversas naturezas, desde que voltadas às questões do desenvolvimento urbano;
3 – Subvenções a estúdios e/ou a profissionais autônomos comprometidos com a produção de pesquisas técnicas e cientificas na área de urbanismo, como consultoria direta às secretarias de urbanismo e planejamento urbano.
Esses tipos de subvenções para as áreas do urbanismo são utilizados em muitos países. Eles são utilizados na Holanda, por exemplo. Lá, os modelos de relações entre o Poder Público e os Arquitetos e Urbanistas são exemplares.
Para você ter uma idéia, se um jovem acaba de se formar e resolve montar um estúdio, o governo holandês, através do Instituto Holandês de Arquitetura, o NAI (Nederlands Architectuur Instituut), pode subsidiar esse estúdio por até sete anos. Durante esse período de subvenção estatal, o estúdio se comprometeria em oferecer certa quantidade de propostas e projetos para a infinidade de questões que assolam o espaço físico da Holanda. Neste mesmo país, as discussões sobre as intervenções são arrastadas até se atingir a unanimidade ( o chamado Modelo de Consenso, oriundo da cultura polder holandesa). Isso pode arrastar um processo de intervenção a um tempo maior do que o esperado, porém, pelo menos no que diz respeito ao incentivo estatal e aos processos de produção de projeto, não existe arbitrariedade em aplicações urbanísticas na Holanda.
Eu pergunto: Por que é tão difícil seguirmos tal modelo? Por questões financeiras, culturais? Ou não seria apenas um caso de falta de compromisso e vontade política?
Creio que tudo se trata apenas de uma decisão e compromisso do poder publico. Gente pra pensar e realizar propostas tem de sobra. O que não existe é parceria e nem incentivos. Temos doutores e mestres em urbanismo e muitos intelectuais também. Precisamos criar e desenvolver nossos modelos de discussão e propostas para o desenvolvimento da cidade e também do estado. Isso não é difícil. Basta que tenhamos incentivos para isso. Do jeito que está pouco ou nada de duradouro se conseguirá. Precisamos nos reunir em torno das propostas que estão em vigor e reavaliá-las, ou até mesmo, simula-las, e em caso de desaprovação, desenvolver outras e mais outras propostas. Precisamos criar e amadurecer uma “cultura do projeto” em nossas administrações públicas e nessa cultura, extrair o supra-sumodas melhores propostas e começar a realizá-las.
Hoje em dia possuímos ferramentas que os nossos antepassados urbanistas jamais imaginaram. Com os avanços da computação, podemos colocar todo um complexo urbano no meio virtual e simulá-lo em tempo real. Com os meios de telecomunicação podemos contatar os envolvidos diretos nas intervenções e saber suas opiniões e sugestões. Podemos receber orientações de urbanistas de outros continentes, sem precisar atravessar uma rua para isso! Então, o que justifica tanta falta de produção? Indiferença e irresponsabilidade. Fora isso, eu não vejo outra justificativa. E se manterem-se tais paradigmas, o caos urbano entrará em um processo de desenvolvimento em que as gerações futuras talvez não possuam força para deter.